O presente artigo enfoca a problemática do reconhecimento étnico de indÃgenas por
parte do Estado, sugerindo que este pode ser pensado como um evento crÃtico, no
sentido de que transforma percepções, ações e relações entre diferentes agentes envol-
vidos nos processos de territorialização, além de possibilitar a construção de memórias
que tecerão discursos e narrativas especÃficos. A partir de uma pesquisa etnográfica
realizada junto à comunidade Charrua da Aldeia Polidoro de Porto Alegre (Brasil),
abordo inicialmente a historiografia dos Ãndios Charrua do Uruguai que ressalta fun-
damentalmente a extinção da etnia, contrapondo a isso as suas narrativas que assumem
a ótica da sobrevivência, condição de possibilidade para seu reconhecimento no Bra-
sil atual. Na sequência apresento situações e discursos que considero reveladores da
conflituosa relação deles com alguns agentes públicos que se veem confrontados com
a agenda e a agência polÃticas desse “novo†povo indÃgena. Por fim, sugiro que, em
parte, esses conflitos estão relacionados a diferentes formas de experienciar o tempo.
Para os indÃgenas, por um lado, a construção narrativa que lhes dá possibilidade de se
reconhecerem e serem reconhecidos como tais implica a corporificação da interpre-
netação dos tempos passado e presente e, nesse sentido, sua espera pela promoção de
seus direitos constitucionais é contabilizada desde tempos muito remotos. Por outro
lado, para os agentes públicos, o reconhecimento étnico oficial é um ponto especÃfico
no presente, a partir do qual estes iniciam um processo lento e gradual de reconhe-
cimento da condição de indÃgenas, dentro do “tempo da burocracia†no qual estão
imersos cotidianamente.