Hodiernamente, a sociedade da informação vem gerando impactos e paradigmas a serem superados pelo Poder Judiciário. A espetacularização do processo penal, por exemplo, vem mitigando as garantias fundamentais do acusado, na medida em que, com a superexposição do réu de determinado crime, impulsiona-se o fenômeno da cultura do cancelamento. Desse modo, ausentes as garantias fundamentais e os corolários constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o réu tem sua pena decretada pelas mídias sociais, que emergem no intento de demonstrar, com duvidosa probidade, a culpabilidade do indivíduo, tendo como taxativa a máxima celeridade. O crime pela mídia, no entanto, não raras vezes, exaure-se tão somente como uma mercadoria e, assim, é construída a sua melhor narrativa, isto é, a que gera mais lucros ou likes. Ademais, baseado em uma ontologia ultrapassada e autoritária, a comoção social vislumbrada pela cultura do cancelamento pode até vir a gerar a decretação da prisão preventiva do réu, através de um dispositivo legislativo generalista que torna discricionário o entendimento do julgador. Por sua vez, de tempos em tempos, os julgamentos antecipados das redes sociais se mostram equivocados, como, por exemplo, nos casos em que se pode perceber as “falsas memórias” das vítimas, problemáticas ao passo em que a falsa imputação ao acusado não é dolosa, mas inconsciente. Sendo assim, a mensagem do processo penal democrático, nesses casos, é a de que até o evidente precisa ser provado em contraditório judicial. Objetiva-se discutir a problemática da outrage culture e sua perigosa relação com o processo criminal.
Today, the information society has been generating impacts and paradigms to be overcome by the Judiciary. The spectacularization of the criminal process, for example, has been mitigating the fundamental guarantees of the accused, as, with the overexposure of the defendant of a certain crime, the phenomenon of the outrage culture is promoted. Thus, absent the fundamental guarantees and constitutional corollaries of the contradictory and the broad defence, the defendant has his sentence decreed by social media, which emerge in an attempt to demonstrate with doubtful probability the guilt of the individual, with the utmost speed as a matter of fact. Crime by the media, however, is often exhausted only as a commodity, and therefore, its best narrative is built, that is, the one that generates the most profits or likes. Furthermore, based on an outdated and authoritarian ontology, the social commotion envisioned by the cancel culture may even generate the decree of the defendant's preventive detention, through a generalist legislative device that makes the judge's understanding discretionary. In turn, from time to time, the early judgments of social networks prove to be wrong, for example, in cases where it is possible to perceive the victims' “false memories”, problematic whereas the false imputation to the accused is not intentional, but unconscious. If so, the message of the democratic criminal process in these cases is that even the evident needs to be proved in a judicial adversary. The objective is to discuss the issue of outrage culture and its dangerous relationship with the criminal process.