INTRODUÇÃO: O rastreamento para fibrose cística (FC) vem sendo incorporado ao programa de triagem neonatal (TN) brasileiro, desde 2001. O modelo utilizado contempla coleta de até duas amostras de tripsinogênio imunorreativo (TIR/TIR), ponto de corte fixo em 70 ng/ mL, e confirmação diagnóstica da FC por teste do suor (TS) e/ou identificação de duas variantes patogênicas no gene da proteína reguladora de condutância transmembrana (CFTR).
OBJETIVO: Avaliar a eficácia e a acurácia do protocolo TIR/ TIR na TN para FC e verificar adoção de pontos de corte flutuantes ou de outros valores para a primeira e segunda dosagens do TIR (TIR1 e TIR2) mais apropriados, para a população estudada.
METODOLOGIA: Estudo populacional, retrospectivo, conduzido com dados de 2013 a 2017, do serviço de referência de TN de um estado do nordeste brasileiro. Foram avaliados sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo dos TIR1 e TIR2. A curva de ROC foi utilizada para a identificação do melhor valor de corte (sensibilidade e especificidade máximas). O índice de Youden foi calculado para definição do ponto de corte ideal, levando em conta pontos de cortes para TIR1 e TIR2, do ano anterior para os percentis 99,4, 99,5, 99,6 e 99,7 (flutuantes).
RESULTADOS: No período, 840.832 recém-nascidos foram submetidos à TN para FC; desses, 40 tiveram diagnóstico confirmado de FC, porém apenas 13 (32,5%) completaram todas as etapas do processo (TIR1/TIR2/TS). Nove crianças foram, posteriormente, diagnosticadas com FC, através de sintomas clínicos compatíveis, mas com TN falso-negativa. A acurácia da TIR1, de forma isolada, com o ponto de corte > 70 ng/mL, foi capaz de predizer a presença da doença em 99,45% (IC95%: 99,44 – 99,47), com sensibilidade de 82,0% (IC 95%: 69,20 – 90,23), especificidade de 99,45% (IC 95%: 99,44 – 99,47) e VPP de 6,35% (IC 95%: 4,7 – 8,5). A área observada sobre a curva (AUC) foi de 0,9639 (IC95%: 0,9635-0,9643). Para os valores de TIR2, o desempenho do teste foi melhor com ponto de corte > 90 ng/mL, mantendo-se sensibilidade e especificidade adequadas, mas com redução significativa do número de falsos positivos, comparados ao ponto de corte em uso. O teste de Youden para o TIR1, calculado em todos os anos, demonstrou valores variando entre 36,5 ng/ mL a 71,3mL. Nesse teste, o TIR2 demonstrou valores entre 94,8 ng/mL e 116 ng/mL.
CONCLUSÃO: Na população estudada, o método TIR/TIR apresentou baixa sensibilidade e baixo valor preditivo positivo; com ocorrência considerável de resultados falso-positivos e falso-negativos. O uso de ponto de corte flutuante não se mostrou uma boa alternativa nessa amostra populacional. A mudança do ponto de corte do TIR2 de 70 para 90 ng/mL é uma opção factível para a redução dos resultados falso-positivos. Objetivando-se a melhora da eficácia da TN para FC, bem como a diminuição da ocorrência de falhas no processo da TN, pode ser necessária a associação de outros métodos de triagem ao protocolo TIR/TIR.