A área de Relações Internacionais constituiu-se por meio da divisão teórica entre o doméstico pacificado e o internacional anárquico. Os Estados, enquanto agentes soberanos, possuiriam o monopólio legítimo da força dentro de suas fronteiras, ao passo que lutariam por sua sobrevivência no sistema internacional. No entanto, certas dinâmicas e atores desafiam essa divisão. O objetivo neste artigo é analisar como a construção política do crime organizado transnacional como uma ameaça e a definição dos meios de força empregados para combatê-lo, em especial as Forças Armadas, rompem com a divisão entre o doméstico e o internacional. Ao discorrer sobre o caso do combate ao tráfico de drogas no Brasil, compreende-se que a definição de tal atividade como uma ameaça no país foi o resultado de um processo de expansão e internacionalização da política de “guerra às drogas”, iniciado pelo governo estadunidense. A definição do crime não ficou, portanto, limitada à territorialidade de um Estado. Paralelamente, o emprego das forças armadas no combate da criminalidade interna, recorrente na história do Brasil, demonstra que divisão teórica em questão representa um princípio normativo e não a descrição de um padrão histórico.
The International Relations field constituted itself through the theoretical division between a pacified domestic sphere and an anarchic international system. States, as sovereign actors, are understood to have the legitimate monopoly of force within their borders, while struggle to survive in the international realm. However, certain dynamics and actors challenge this division. This paper aims to show how the political construction of transnational organized crime as a threat and the definition of the means of force employed to combat it, especially the armed forces, break with the sharp division between domestic and international. In discussing the case of combating drug trafficking in Brazil, it is understood that the definition of such activity as a threat results from a process of expansion and internationalization of the "war on drugs" policy, fostered by the United States government. The definition of crime was therefore not limited to the territoriality of the Brazilian state. At the same time, the deployment of the armed forces to combat internal crime, which is recurrent in Brazilian history, demonstrates that the theoretical division in question represents a normative principle and not a description of a historical pattern.