A noção metafísica de Deus como fundamento do ser, sumo princípio de ordem e harmonia, vetor da confluência entre filosofia grega e cristianismo como padrão cultural do Ocidente, entra em crise no século XIX, conjuntamente com a disrupção da ordem social tradicional e da “imagem do mundo” ontoteológica, sob os golpes da ciência e da crítica filosófica. Deus é morto, anuncia o filósofo, e a religião parece dissolver-se inexoravelmente no caminho da secularização. Deus, todavia, não se extingue: regressa poderosamente na figura antimetafísica de um Deus histórico, que se manifesta ao homem na contingência, como princípio de desordem e desajuste, trauma e estranhamento. Vários autores (nomeadamente J. Ashbery, F. Dostoiévski, P. Pasolini, T. Mendonça) são convocados para reconstruir esta imagem de Deus como “o grande desorganizador”, mas também o possível naufrágio deste embate com o transcendente, que implode no ‘silêncio, na não recepção por parte do homem-massa contemporâneo. O fracasso do sagrado, e a sua eventual banalização como recalque e espetacularização, são transcritos como experiência cómica por artistas como F. Kafka, S. Beckett , F. Fellini, J.-L. Godard.