No documentário autobiográfico A Imagem que Falta, o cineasta cambojano Rithy Panh relata suas memórias sobre a instauração da ditadura comunista perpetrada pelo Khmer Vermelho no Camboja entre 1975 e 1979. Um dos atos para implementação desse regime consistiu no apagamento dos arquivos pessoais dos habitantes da cidade de Phnom Penh – álbuns de família, roupas, objetos. Ao mesmo tempo, o regime também produziu filmes de propaganda para representar a ditadura como lugar de harmonia, ordem e progresso, assim como imagens dos prisioneiros nos campos de trabalho. No filme de Rithy Pahn, o diretor retoma esses arquivos e os tensiona com a ausência de imagens que descrevam sua experiência pessoal. Nessa escrita de si alinhavada à elaboração de uma narrativa histórica, Pahn cria pequenos dioramas e bonecos de argila que funcionam como palcos e cenários de suas memórias. Nessa montagem entre fotogramas e dioramas, o diretor toma como forma o ensaio fílmico e seus recursos, como os usos poéticos dos materiais de arquivo, a dialética entre imagens de origens e estéticas distintas e a relação entre imagens factuais e discursos subjetivos. Neste artigo, analisa-se como a forma do ensaio no filme amplia os modos de interpretação da imagem documental e renegocia as formas de escrita da narrativa histórica, compreendendo como ambos se atravessam a partir da montagem.
In the autobiographical documentary The Missing Picture, the Cambodian filmmaker Rithy Panh tells his memories about the start of comunist dictatorship commanded by Khmer Rouge in Cambodia between 1975 and 1979. One of the measures undertook by the regime was the eradication of personal archives of the inhabitants of the city of Phnom Penh - photo albums, clothes, objects etc. At the same time, the regime produced propaganda movies to represent the dictatorship as a way to convey harmony, law and progress, as well as pictures of prisoners in concentration camps. In Rithy Pahn’s movie, the director goes after these archives and contrasts them with the absence of archives which could describe his personal experience. In this writing of himself, connected to the creation of a historical account, Pahn creates small dioramas and clay dolls which work as sets of his memories. In this mix of dioramas and film frames, the director chooses the form of the essay film for his movie, using resources such as the poetic use of the archival materials; the dialectic between images of different aesthetics and origins; and the relation between factual images and subject discourses. The essay film helps Pahn to retrieve his personal experience and to analyze the dictatorship archives and also as material to propose an imaginative collective and historical account of a nation. In this article, I analyze how the essayistic look expands the ways of interpreting a documental image and re-negotiate the ways of historical account, understanding how both cross each other out setting.