No atual tempo-espaço social, Amazônias e seus sujeitos são atravessados por diversidades, disputas e reinvenções do futuro. Este Dossiêfoi concebido nesse contexto de destruição sistemática à floresta em pé e de ataque criminoso e midiático às formas de resistência. Ao mesmo tempo, o Dossiêinscreve-se no território das águas e florestas porque denuncia a opressão e dominação e anuncia inspiradas possibilidades de enfrentamento e lutas no campo da educação,
no combate ao racismo estrutural, contra à mercantilização da água, no campo das artes e nas memórias sociais. Da terra que tinha/tem donos e senhores ao território das ancestralidades e dos comuns há um grande desafio: a luta pela emancipação e soberania das Amazônias. Nesta direção, os autores tensionam a agenda racista, privatizante e desigual em curso na região, resultado das suas experiências políticas e intervenções socioculturais e, dessa forma, reforçam os debates oriundos das leituras críticas sobre a apropriação social e cultural pelo sistema capitalista. Ademais, a sociedade civil, os movimentos sociais e as entidades científicas vem se ocupando da tarefa política em apoiar às lutas históricas dos povos das florestas pela liberdade e contra as formas sofisticadas de colonialidade do poder, do ser e do saber. Os espíritos dos povos da Amazônia com toda sua ancestralidade, (i)materialmente construída com cada espécie, tem no território preservado elemento essencial para a vida em plenitude. Assim também cadapovo e comunidade tradicional tem no mesmo território sagrado a sua constituição enquanto complexo ecossistema social, cultural e de produção. Somado a isso, novas pesquisas e temas apontam a necessidade da educação pluridiversa que possa superar os traços urbanocêntricos e funcionais que constituem a maioria dos currículos. A interseção dessas questões e seus desdobramentos estão presentes no conjunto dos artigos aqui, cuidadosamente, articulado com uma prática social interfacetada com linha crítica teórico-metodológica. Pode-se assim assegurar que há importantes experiências acadêmico-políticas que sugerem aproximações com os eixos do bem-viver: ancestralidade, ruptura às formas de dominação/opressão, incorporação das diversas maneiras de produzir conhecimento e valorização o dos comuns. Todavia a acumulação primitiva e neocolonial avança asfixiando vidas e histórias e operando a favor da concentração de renda e poder a todo custo em tempos de eficiência e customatização ultraliberais, perseguição à educação e ciência, racismo ambiental, mercantilização da água e da terra e aumento de assassinatos de ativistas por direitos. As leituras dos artigos nos convidam, ainda, para incorporação e/ou reforço de novas pautas significativas para a cultura de direitossocioterritórios e hidrossociais, pois aumentam as estratégias imperialistas de destruição nas Amazônias. Nelas, a abundância não significa que deve haver exploração a qualquer custo, pois todos os recursos disponíveis são vitais para a manutenção do maior e mais complexo ecossistema do mundo, onde sempre viveram povos diversos, hoje considerados “invasores”. São por essas trilhas de inquietações e proposições que os artigos contribuem, de certo, para reflexões sobre dignidade e melhores condições de vida na região que contrasta riqueza/concentração de renda e pobreza/exclusão social. Inspirado na escola como “espaço educativo múltiplo” e trazendo os importantes debates do Movimento Negro, o artigo de Silvano Lira e Patrícia Aragão, intitulado Os Desafios de uma Educação para as Relações Étnico-Raciais: um estudo a partir a implantação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, analisa a educação para as relações étnico-raciais e o uso de múltiplas linguagens para transposição didática no campo do antirracismo, dentro elas o cinema como importante vetor de divulgação de processos de alteridade contra a desigualdade racial e o racismo. Tratando da mesma temática, Maria Souza e Kelly Oliveira utilizam como chave-explicativa de investigação do artigo Formação Continuada de Professoras/es e A Lei 10.639/03 a subalternidade de negros e negras resultante do substrato de uma sociedade hierarquizada que até hoje estrutura as relações sociais e de poder. Outro artigo do ponto de vista da cultura racista, A Afroperspectiva dos Povos Bantu no Ensino de Filosofia: transversalidades decoloniais no chão da escolade Wudson Oliveira assume uma importante e contundente análise no que diz as experiências nas pedagogias antirracistas a partir da experiência na educação básica com aulas/oficinas, demonstrando as possibilidades concretas vivenciadas no “chão da escola” como “resistência de uma educação étnico-racial”.No artigo Melancolia, Silêncio e Memória na lírica de Carlos De Assumpção de Sandro Silva expõe a tríade arte-imaginário-resistência para enfatizar como a “ancestralidade afro-brasileira” e a força da oralidade estão presentes e são potentes na rica obra lírica do poeta negro Carlos de Assumpção, vanguardista das lutas sociais contra a ideologia racista. Também inspirado na memória social, o artigo Duas Mulheres atuantes no Campo e na Vidade Luciana Correia e Marilda Sá é um relato de sujeitas da agricultura familiar, empoderadas e cientes dos seus direitos para que o campo sejatambém um território de afeto, sonhos e resistência feminista contra o enfrentamento do patriarcado e do machismo que molda a sociedade brasileira, em especial, as relações capturas pelo agronegócio no interior das Amazônias. Por fim, encerrando o dossiê o artigo As influências africanas no âmbito escolar: resistência e valorização da cultura negra na educação de jovens e adultos, de Thaila Bastos da Fonseca, trata de estratégias pedagógicas aplicadas na sala de aula como subsídio aos professores para trabalhar juntos aos discentes os conhecimentos das heranças africanas na escola de acordo com a lei: n° 11.645 de 2008.Como falar em direitos nas Amazônias que vivem uma grande barbárie social resultado da tirania do saque e do desenvolvimento desigual? A luta para torná-las livres é a afirmação da diversidade de vidas que precisam produzir e reproduzir processos, modos de vida e sociabilidades sobretudo garantidas nos direitos socioterritoriais e da natureza, os quais estão sendo vilipendiados pelos projetos de destruição. Contudo, as conquistas vivenciadas nos diferentes ecossistemas amazônicos não deixam dúvidas da força social da organização política e dos mutirões de enfrentamentos seja no campo institucional, no campo epistêmico e no campo político. Todas essas formas de lutas precisam ser visibilizadas e reconhecidas e o Dossiê é uma inspiração para seguir avante!