Editorial
DATJournal
Editorial
Autor Correspondente: S. Nesteriuk | [email protected]
Palavras-chave: pesquisa, arte, design, tecnologia
Resumos Cadastrados
Resumo Português:
Esta edição especial do DAT Journal considera o pensamento do Sul. Ela parte da seguinte indagação: “No lugar em que a prática é constituída como investigação, como seriam as vozes do Sul na pesquisa em Arte e Design?” Em 2009, Raewyn Connell publicou um livro chamado Southern Theory (Teoria do Sul). Respondendo às crescentes preocupações sobre a maneira pela qual o Norte Global domina o modo como o discurso é moldado e disseminado, a autora questiona a validade de representar o conhecimento global a partir de uma perspectiva essencialmente cosmopolita. A crítica de Connell desafiou as percepções de que o Sul Global era periférico. Mas, afinal, o que é esse tal Sul Global e como isso afeta o conhecimento? Srinivas Aravamundan argumenta que Norte e Sul são “ontologias relacionais e dialéticas, e não absolutas”1 , e Anthony Gardner sugere que o processo de construção de conhecimento do Sul é essencialmente “um modo de questionamento (...) tanto analítico quanto catalítico.”2 Certamente, poucos pesquisadores entendem a ideia do Sul meramente como uma localização geográfica. De fato, se assim fosse, então “Sul” seria um equívoco, porque muitas das populações indígenas no hemisfério sul se veem no centro do mundo em que vivem.3 Dito isto, é preciso considerar que certas populações consideradas “do Sul” têm características distintas. Além dos processos de negociação da descolonização, países como a Nova Zelândia e muitas nações do Pacífico têm tradições acadêmicas que enfrentam desafios históricos e contínuos, incluindo o triunfo do individualismo sobre a responsabilidade coletiva, a revogação do respeito pelo conhecimento e influência ancestrais, a remoção das dimensões genealógicas e cosmológicas da terra, a marginalização do conhecimento metafísico e a supremacia da cultura escrita diante da literacia oral e pictórica. No Brasil, os desafios assumem uma forma ligeiramente diferente. Acadêmicos confrontam uma tradição de erudição enraizada sob o signo da distinção social, da negligência das culturas que constituem a identidade da nação (especialmente das populações Indígenas e Africanas), da ruptura entre uma “visão utilitarista da prática” deslocada de um “caminho teórico reflexivo” - e vice-versa, e da incapacidade de estabelecer um pensamento verdadeiramente interdisciplinar. Assim, dadas tais circunstâncias, consideramos útil examinar como os doutorandos não apenas posicionam a prática como pesquisa no Sul, mas também como navegam em seus parâmetros e linhas de força. Ao organizar esta edição especial do DAT, pedimos a 13 doutorandos no Brasil e na Nova Zelândia que considerassem essas questões em relação à sua prática atual. A maioria dos autores está vinculada a duas universidades: Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo, Brasil e Auckland University of Technology, em Auckland, Nova Zelândia. Ao escrever esses artigos, estes doutorandos assumiram a posição de primeiro autor e, apoiados por seus orientadores, consideraram a questão da investigação conduzida pela prática (practice-led) em relação a seus próprios projetos de pesquisa. A diversidade de pensamento disponível nesta edição é extraordinária. Robert Pouwhare e John Vea discutem como as metodologias de pesquisa na Nova Zelândia e no Pacífico podem criar reformulações ideológicas fundamentais dentro da academia. O trabalho desafia os paradigmas do Norte porque se baseia em conhecimentos e valores epistemológicos indígenas complexos e distintos. Com uma abordagem complementar, Derek Ventling considera um framework para uma abordagem heurística destinada a investigação conduzida pela prática (practice-led) trabalhando com certos conhecimentos metafísicos ocidentais. Continuando essa ruptura, tanto a pesquisa de Marcos Steagall quanto a de Rumen Rachev desafiam as ideias fundamentais dentro do academicismo. Rachev explora metodologias fluidas para “desfazer” o trabalho intelectual de um doutorando, desestabilizando as convenções emergentes em torno da pesquisa conduzida pela prática (practice-led). Steagall postula uma dimensão espiritual como extensão do conhecimento incorporado na prática fotográfica. Cristiane de Alcântara e Jackson Marinho instigam reflexões sobre questões atinentes a forma, conteúdo e função em territórios fronteiriços entre Arte e Design. Alcântara propõe o livro do artista como uma sequência de espaços em que um processo permanentemente em andamento pode ser estabelecido enquanto lócus de posicionamento do autor. Marinho usa tecnologias de código aberto para um “faça você mesmo”. Sua pesquisa resulta em um dispositivo audiovisual interativo não convencional que permite a mistura de parâmetros de sons e imagens por meio do processo de tocar uma tigela de metal. Desafios para os modos de prática também formam as principais preocupações dos artigos de Olivia Webb, Emily Ohara e Rodrigo Freire. Webb explora o papel da escuta e da harmonia na prática artística que envolve participantes e diversas comunidades. Ohara discute como os processos de elaboração do luto podem funcionar enquanto base para a expressão conduzida pela prática (practice-led). Freire explora a aplicabilidade de projetos de Design Aberto (Open Design) no campo da arquitetura e design urbano em países em desenvolvimento. Neste estudo, Freire considera questões como replicação, personalização, otimização e viabilidade econômica. Ao abordar questões de acessibilidade, Lima Junior desenvolve um método de ensino e aprendizagem para praticantes videntes, cegos ou com deficiência visual, por meio da incorporação de estímulos sensório-motores. Desta forma, estes estímulos são projetados para aumentar a conscientização dos recursos possíveis e necessários para o desenvolvimento de coleções de design de moda. No que diz respeito às interfaces entre o significado e as tecnologias emergentes, tanto Tatiana Tavares quanto Leonardo Lima recorrem ao posicionamento cultural para explorar abordagens poéticas e teóricas sobre a construção de significados como reflexão artística e articulada sobre a prática ao se envolverem com artefatos digitais interativos. Todos esses pesquisadores potencializam parâmetros para ativar formas distintas em que a prática pode recorrer ao conhecimento. Eles se baseiam em posições culturais, geográficas e ideológicas moldadas por seu pertencimento ao Sul. Assim, ao oferecer essas considerações de pesquisa conduzida pela prática (practice-led), propomos que aprendamos “a partir de” ao invés de “sobre” o processo de construção de conhecimento emergente que gera conhecimento além das ênfases do Norte Global. Esta edição especial propõe tanto convergências quanto divergências com o pensamento estabelecido. Ela emana do reconhecimento de que as “histórias peculiares que geram práticas sociais e artísticas formam encontros dialógicos com vozes nas periferias da autoridade e fazem um loop de um processo iterativo para gerar seus próprios alicerces teóricos”. 4 Ao fazer isso, esta edição especial do DAT Journal oferece uma coleção de vozes distintas que falam a partir e para dentro de um mundo renegociador. Essas vozes questionam, através da prática, as ideias de Connell de um Norte Global tradicionalmente puro e autoritário, mas também reafirmam a natureza da pesquisa conduzida pela prática (practice-led) em Arte e Design como algo responsável e culturalmente constituído. A este respeito, recordamos um famoso whakataukī (provérbio Maori) que diz:
Ehara ta tangata kai, ele kai tītongi kau; engari mahi ai ia ki te whenua; tino kai, tino mākona.
A comida fornecida por outra pessoa é apenas comida para ser mastigada; a comida produzida pelo próprio trabalho na terra é boa e satisfatória.
Resumo Inglês:
This special issue of DAT considers thinking in the South. It asks, ‘Where practice is constituted as inquiry, what might Southern voices look like in Art & Design research?’ In 2009 Raewyn Connell published a book called Southern Theory. Responding to growing concerns about the manner in which the Global North is seen to dominate how discourse is shaped and disseminated, she questioned the validity of representing global knowledge from an essentially metropolitan perspective. Connell’s critique challenged perceptions that the Global South was peripheral. But what is this thing called the Global South ... and how does it impact on knowledge? Srinivas Aravamundan argues that North and South are “relational and dialectical rather than absolute ontologies”, and Anthony Gardner suggests that southern scholarship is essentially “a mode of questioning ... both analytic and catalytic.” Certainly, few writers on scholarship map the idea of the South purely onto a geographical location. Indeed, if this was so, then ‘South’ would be a misnomer because many of the indigenous populations in the southern hemisphere see themselves at the center of the world in which they live. This said, certain populations considered ‘southern’ have distinctive features. Beyond negotiating processes of decolonization, countries like New Zealand and many Pacific nations, have traditions of scholarship that face historical and ongoing challenges including the triumph of individualism over collective responsibility, the abrogation of respect for ancestral knowledge and influence, the stripping of genealogical and cosmological dimensions from land, the marginalising of metaphysical knowledge and the elevation of written knowledge over the valuing of oral and pictorial literacy. In Brazil, challenges take a slightly different form. Academics confront a tradition of scholarship rooted in the signs of social distinction, the neglect of cultures that constitute the nation’s identity (especially Indigenous and African populations), a rupture between a ‘utilitarian view of practice’ displaced from a ‘reflexive theoretical path’ - and vice versa, and the inability to establish truly interdisciplinary thinking. So, given such circumstances, it is useful to examine how emerging doctoral researchers not only position practice led research in the South, but also how they navigate its emphases and parameters. In compiling this special issue of DAT, we asked 13 doctoral candidates in Brazil and New Zealand to consider these issues in relation to their current practice. The majority of the authors are currently pursuing research through two universities: Universidade Anhembi Morumbi in Sao Paulo, Brazil and AUT University in Auckland, New Zealand. In writing these articles, they adopted the position of first author and, supported by a supervisor/mentor, they considered the question of practice-led inquiry in relation to a current research project. The diversity of thinking has been extraordinary. Both Robert Pouwhare and John Vea discuss how research methodologies in New Zealand and the Pacific can create fundamental ideological reframings within the academy. Their work challenges existing Northern paradigms because it draws upon complex and distinctive indigenous epistemological knowledge and values. As a parallel consideration, Derek Ventling considers a framework for a heuristic approach to practice-led inquiry when working with certain Western metaphysical knowledge. Continuing this disruption, both Marcos Steagall and Rumen Rachev’s research, challenge foundational ideas within academic scholarship. Rachev explores fluid methodologies to ‘undo’ the intellectual labour of a PhD student by unsettling emerging conventions around practice-led-research, and Steagall posits a spiritual dimension as an extension to embodied knowing within photographic practice. Cristiane de Alcântara and Jackson Marinho instigate reflections on form, content and function in frontier territories between Art and Design. Alcântara proposes the artist’s book as a sequence of spaces in which a permanently on going process can be established as a space of author positioning. Marinho uses open source technologies to do it yourself’. His research results in an unconventional interactive audiovisual device that enables the mixing of sound and video parameters through the process of touching a metal bowl. Challenges to modes of practice also form the core concerns of Olivia Webb, Emily Ohara and Rodrigo Freire’s articles. Webb explores the role of listening and attunement in art practice that engages participants and diverse communities and Ohara discusses how life-processes of mourning can function as underpinnings for practice-led expression. Freire explores the applicability in developing countries, of Open Design projects in the field of architecture and urban design. In his study he considers issues of replication, customization, optimization and economic viability. In addressing issues of accessibility Lima Junior develops a teaching and learning method for normal or impaired sight practitioners through the embodiment of sensorimotor stimuli. These stimuli are designed to heighten an awareness of features needed for the development of fashion design collections. With regards to interfaces between meaning and emerging technologies, both Tatiana Tavares and Leonardo Lima draw upon cultural positioning to explore theoretical and poetic approaches to meaning construction as an articulate and artistic reflection on practice when engaging with interactive artifacts. All of these researchers push at parameters to activate distinctive ways that practice might resource knowledge. They draw on cultural, geographical and ideological positions shaped by their locations in the South. Thus, in offering these considerations of practice-led research, we propose that we might learn ‘from ’ rather ‘ about’ emerging scholarship that generates knowledge beyond the emphases of the Global North. The collection proposes both convergences and divergences with established thinking. It emanates from an acknowledgment that the “peculiar histories that generate social and artistic practices, form dialogic encounters with voices on the peripheries of authority and loop back and forth in an iterative process to generate theory from the ground.” In so doing, DAT offers a collection of distinctive voices that speak from, and into, a renegotiating world. These voices question through practice, Connell’s ideas of a traditionally pure and authoritative Global North but, they also reassert the nature of practice-led research in Art & Design as something both culturally formed and self-responsible. I
n this regard we are reminded of a famous whakataukī (Māori proverb) that notes,
Ehara tā te tangata kai, he kai tītongi kau; engari mahi ai ia ki te whenua; tino kai, tino mākona.
Food provided by someone else is only food to be nibbled; food produced by one’s own labour on the land is good and satisfying.