Em tempos primitivos e iletrados, os indivíduos, acompanhados por suas crianças, reuniam-se em torno às fogueiras e contavam histórias; eram lendas e casos fantásticos que, sobretudo, falavam das origens. De onde vieram, como nasceram, como caçavam e comiam, lutavam e morriam, curavam-se e sobreviviam, a quem deviam respeitar e a quem temer. E havia árvores e imagens sagradas, e um passado também sagrado perante ao qual deviam calar e celebrar, pois dele tinham se originado. Tais comunidades ancestrais assim faziam para manterem vivas suas memórias e garantir às futuras gerações o conhecimento de um passado que era sua herança e formava seu patrimônio. Aqueles indivíduos não tinham consciência, mas intuitivamente estavam assegurando ao grupo o conhecimento de suas raízes e assim lhes garantiam o fortalecimento das próprias individualidades.
Quando falamos em Patrimônio Histórico é preciso que enfoquemos o conceito de Memória Social. Impossível falar em Patrimônio Histórico para membros de uma comunidade onde inexistem memórias; é difícil respeitar um quando se desconhece ao outro.
Essa ideia hoje é tão clara que dentro da Sociologia surgiu a Sociologia da Memória. Criada pelo francês Maurice Halbwachs nas primeiras décadas do século XX (Les Cadres Sociaux de La Memoire e La Memoire Collective), esse novo ramo da pesquisa social trata das relações da sociedade com o passado. Com o dinamismo e a riqueza simbólica que possui, a Memória interfere diretamente na construção das identidades. A Memória serve de instrumento e base para que a sociedade tenha uma história mais consistente e mais humanizada; onde a Memória não é valorizada, ela se apresenta de modo fragmentado, as informações e as lembranças chegam aos pedaços e a população fica desconectada de seu passado, o que, comprovadamente, a torna fragilizada. E isso é tão sério que hoje se fala em comunidades vítimas de “Amnésia Social”.
Devemos enfatizar que a construção da Memória ocorre em duas abrangências. Na Memória Comunicativa - que tem a ver com a transmissão das lembranças do dia a dia através da oralidade das interações sociais - onde são guardadas memórias relativamente recentes; e na Memória Cultural onde ficam registros materiais que são transmitidos de geração a geração. Encontramos a Memória Cultural em textos, livros, monumentos, estátuas, rituais, hinos, festas, obras de arte e por aí adiante. Tal Memória está cristalizada e desse modo experiências ancestrais são conhecidas e partilhadas pelo grupo. A construção dessa Memória implica na referência ao que não foi presenciado, e sua dimensão coletiva começa a se formar na infância; a sociedade deve preservar as memórias contidas em sua cultura, de maneira a que as mesmas se incorporem na percepção e identidade de suas crianças.
A História precisará das memórias cristalizadas em manifestações culturais para ser construída, enquanto a Memória comunicativa permanecerá viva nos indivíduos da coletividade. E aqui é necessário que se fale na importância do afeto no aprendizado das memórias passadas. A afetividade nutrida pela construção da imagem de se originar de “um lar”, “um lugar”, “uma história” é determinante ao desenvolvimento de identidades sólidas.
Indivíduos com rica Memória Cultural constroem imagens narrativas do passado ao se auto referenciarem e se afirmarem como parte de um grupo. E aí percebemos como é importante a cada membro ser capaz de seguir as regras de como lembrar e do que é importante lembrar.
Os estudiosos da Memória ressaltam o quanto ela atua como “força coletiva unificadora”, daí ser ameaça aos regimes totalitários. Por isso historicamente os invasores procuravam destruir o passado, as bibliotecas e os monumentos, os locais de culto e rituais porque sabiam como, controlando o passado, era bem mais fácil controlar o presente e o futuro.