Esse ensaio pretende realizar uma leitura comparada entre duas obras de Calvino, As cidades invisÃveis e Se um viajante numa noite de inverno, observando como se configuram os movimentos de interrupção e transbordamento ali presentes. O recurso do “cancelamento sucessivo†em Se um viajante numa noite de inverno (cujo limite é o “cancelamento do mundoâ€) pode operar como um “falso duplo†dos desdobramentos sucessivos de As cidades invisÃveis, em sua complexa alegorização a partir de territórios tão infinitos quanto a memória, o desejo, os sÃmbolos, as trocas, os mortos e o céu. Se de um lado (o do “viajanteâ€) temos cortes sucessivos e abruptos que se desdobram em sempre novas operações decisórias e respectivos cortes, como o próprio Calvino reconheceu, de outro (o do “espaço percorrido pelo viajanteâ€) temos um único tema (a cidade) dobrando-se sobre si mesmo em progressão (quase) geométrica. Entre um movimento e outro, o “catálogo indicativo das atitudes existenciais que conduzem a outros tantos caminhos obstruÃdos†sugerido pelo autor se mostra como um horizonte de desejo impossÃvel, como uma engenhosa metáfora para algo que está entre o movimento do viajante e a imobilidade da paisagem, entre o corte e a multiplicação, entre o que sempre muda e o que nunca se movimenta. O intervalo liminar que todos esses recursos encenam e simbolizam é multiplicado (ou encerrado?) na trama de faltas e excessos que é potencializada por cada um dos livros, fazendo da experiência do indizÃvel e da intraduzibilidade da experiência a força narrativa e poética dessas duas obras, e de tudo o que pode ser tecido entre elas.