O presente artigo resulta da re-escrita de um dos capÃtulos da minha tese de
doutorado “EtnografÃa das práticas e procedimentos justiça penal perante a última ditadura
militar (1976-1983)†(2008). A pesquisa estruturou-se sobre a análise dos documentos de
um processo judicial conhecido pelo nome de “Processo do Necrotério Judicialâ€. O
processo judicial teve inicio no fim da ditadura militar, a partir de uma denúncia feita pelo
Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS). Nessa denúncia colocava-se que no perÃodo
1976-1980, o necrotério judicial tinha feito autópsias, certidões de óbito e ordenado
inumações de vários cadáveres de pessoas detidas e desaparecidas pela ordem das forças
militares sem a intervenção de um juiz competente. Na denúncia estavam envolvidos vários
militares e membros do judiciário. O presente trabalho não procura expor o
desenvolvimento do processo nem as suas implicações, mas analisar as diferentes marcas
deixadas pela burocracia do judiciário através de escritos, notas, ordens, resoluções; tanto
assim como as explicações sobre diferentes tipos de procedimentos –rotinários, excepcionais
ou irregulares- oferecidas pelos funcionários e médicos do Necrotério Judicial e do Corpo
Médico (CMF). São esses elementos todos os que possibilitaram reconstruir grande parte da
história, e por sua vez foram os utilizados pelos advogados do CELS como provas para
suster a sua denúncia no judiciário. No que faz a esse último assunto, pretendo indagar
sobre as particulares caracterÃsticas que apresentava a estratégia polÃtica desenvolvida pelo
CELS, na qual a disputa em termos jurÃdicos foi a ponta-de-lança e eixo de discussão.
Assunto esse último através do qual procura-se demonstrar que o judiciário funcionou
como uma areia de disputa na qual livraram-se múltiples batalhas.
The present article is an edited version of one of the chapters of my doctoral
dissertation EtnografÃa de las prácticas y procedimientos en la justicia penal durante la última
dictadura militar (1976-1983) (An Ethnographical Account of the Practices and Procedures of
the Criminal Justice System During the Last Military Dictatorship) (2008). My research was
centered on the analysis of a judicial file known as the “Judicial Morgue Caseâ€. This case was initially tried toward the end of the military dictatorship after a presentation made by
the Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) that denounced that, between 1976 and
1980, following the orders of military authorities and without the intervention of a judge,
the judicial morgue had carried out autopsies, extended death certificates and ordered the
burial of many corpses of persons detained or missing. My objective is not to show the
case’s development and its many implications but to analyze the different marks left by the
judicial bureaucracy through its diverse documents and resolutions, as well as the
explanations on different types of procedure offered by the employees and physicians of the
Judicial Morgue and the Cuerpo Médico Forense (Forensic Medicine Bureau). All these
elements, which were also used as evidence by lawyers of CELS, allowed me to piece
together most of the story. Concerning the work of CELS’s lawyers, my work also aimed to
explain the particular characteristics of the political strategy developed by this human rights
organization, whereby judicial disputes spearheaded its efforts and served as the main basis
for action. By this, I would also like to show that the judicial system was an arena where
multiple conflicts were fought.