INTRODUÇÃO: Há controvérsias sobre o impacto da COVID-19 nos indivíduos com fibrose cística (FC). Este trabalho se propõe a descrever o quadro agudo e desfecho de crianças e adolescentes com FC internados por COVID-19, bem como a evolução nos 6 a 12 meses subsequentes.
DESCRIÇÃO: Dos 70 indivíduos acompanhados em um Centro FC brasileiro entre 2020 e 2022, 5 (7,1%) apresentaram COVID-19 grave ou crítica, de acordo com os critérios da OMS, três do gênero feminino, média de idade de 17 anos (DP±0.9). Todos possuíam ao menos uma mutação genética grave e eram pancreatoinsuficientes. Quatro pacientes tinham doença pulmonar avançada, faziam uso de oxigenoterapia contínua, dois tinham Diabetes Relacionada à FC e um, sobrepeso. A mediana do escore de gravidade de Shwachman-Kulczycki dos sujeitos estudados era de 55 (30 a 80). Quatro indivíduos apresentavam, na espirometria, Volume Expiratório Forçado no 1o.seg (VEF1) menor que 40% (média 40,6%,DP±18,3). Nenhum era transplantado ou usava drogas imunossupressoras.
No quadro agudo, todos apresentaram sintomas gripais, evoluindo com piora do esforço respiratório (Síndrome Respiratória Aguda Grave), necessidade de oxigenoterapia adicional e hospitalização. Três foram encaminhados à UTI pela gravidade do quadro respiratório, um com ventilação mecânica invasiva. O tempo total de internação variou de 2 a 51 dias, média de 25,6 (±15,1) dias. Quatro pacientes tiveram diagnóstico de exacerbação pulmonar (EP) secundária, com necessidade de antibioticoterapia. Nessa coorte retrospectiva, não houve óbitos em até 12 meses de evolução. Entre 9 e 12 meses após o quadro agudo, a porcentagem do VEF1 reduziu em até 10 pontos percentuais em 2 casos, e aumentou em até 23 pontos nos 3 casos que iniciaram a terapia com moduladores (elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor) nos meses subsequentes. Três indivíduos evoluíram com novos episódios de EP nos 6 meses subsequentes (1 a 3 eventos cada). Houve redução do índice de massa corporal na evolução de todos os casos em 6 meses, com recuperação posterior, exceto em um. Quanto à vacinação contra SARS-CoV-2, um caso teve a infecção previamente à disponibilização da vacina, outros 3 estavam em processo de vacinação (um tinha uma dose, 2 estavam com 2 doses) e um tinha três doses.
DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS FINAIS: Dos 70 indivíduos com FC acompanhados no serviço, 5 precisaram ser hospitalizados por COVID-19 grave ou crítica, sem óbitos. Todos adolescentes, a maioria tinha FC em estágio moderado/grave. Apesar da hospitalização prolongada, a evolução em 6 a 12 meses foi considerada satisfatória, conforme alguns autores também demonstraram, porém em 3 casos houve o viés de iniciarem terapia tripla com ETI.
Nesta pequena casuística, a infecção pelo SARS-CoV-2 não parece ter tido impacto superior a outros patógenos respiratórios. Entretanto, a gravidade e morbidade dos casos está longe de ser desprezível, reforçando a necessidade de atenção para essa infecção e suas formas de prevenção em pessoas com FC.