A partir dos conceitos de mercantilização e de mercadorização, como propostos e/ou analisados por Karl Polanyi e David Harvey, o artigo examina as rearranjos normativos recentes que versam sobre os descontos salariais para os fins de garantia de créditos consignado. Considera também questão contemporânea a proliferação do denominado direito de exceção como uma característica específica do funcionamento de um estado democrático de direito corroído pelas políticas de austeridade. Para tanto, apresenta a reconfiguração normativa promovida nos anos 2014, 2015 e 2016 no sistema de estruturação de crédito consignado no Brasil. Argumenta que as reformas devem ser compreendidas não apenas no marco da conjuntura política e econômica da crise que atingiu o país no triênio 2014-2016, mas em um contexto mais amplo, estrutural, relacionado ao uso do sistema de crédito como meio de acumulação por espoliação, tal qual propõe David Harvey. Examina os rearranjos normativos como expressão dos efeitos
da acumulação por espoliação, em especial os processos de mercadi#cação, de #nancialização, bem como de administração e manipulação de crises, com redistribuições via Estado. Desse modo, sustenta que a mercantilização da vida pela via do crédito consignado, embora se relacione com aspectos específicos da estruturação do mercado de consumo e de trabalho nacionais, deve ser compreendida sob aspectos estruturais, expressão da hegemonia do capitalismo financeiro e dos reforços ao mercado de crédito pós-
-crise mundial de 2009. Com a expressão máxima quando o próprio salário adquire características próximas às da mercadoria fictícia,1 e a multa rescisória, de proteção compensatória à dispensa imotivada, constitui uma garantia ao mercado. A abordagem interdisciplinar possibilita compreender as proposições congressuais introduzidas nas Medidas Provisórias 661/2014 e 676/2015, nas Medidas Provisórias 656 e 681, convertidas nas Leis 13.097/2015 e 13.183/2015, e na Medida Provisória 719, de 2016, como construções normativas representativas do avanço do processo de mercadorização da vida, do trabalho e do salário, ampliando processos de vulnerabilidade dos trabalhadores, aposentados, servidores públicos e consumidores.