A dramaturga britânica Sarah Kane teve uma carreira bastante curta, escrevendo apenas cinco peças entre 1995 e 1999, além do roteiro de um filme para a TV. O breve espaço de tempo em que produziu sua obra, no entanto, não impediu que ela fosse considerada como uma das mais importantes figuras da dramaturgia britânica na virada do milênio. Em sua segunda peça, O amor de Fedra (1996), a autora rearticula a história da heroÃna de Creta, lançando um novo olhar sobre questões como o desejo e as relações familiares. Assim, ao apropriar-se e recriar elementos essenciais do mito grego, ela produz uma obra contemporânea com traços de humor negro. O presente artigo tem como objetivo analisar esse trabalho de Kane, considerando-o como uma releitura tanto do mito grego – entendido como um conjunto de diferentes versões – quanto de outros textos, escritos por dramaturgos que se serviram da forma dramática de raÃzes aristotélicas, dentre eles EurÃpides, Sêneca e Racine. Para tanto, serão investigados os recursos utilizados por Kane para retextualizar e subverter as versões anteriores: como construiu as personagens, em que mundo as situou e, principalmente, que linguagem empregou para imprimir marcas da contemporaneidade, como o individualismo, o consumismo, a violência nas relações sociais e pessoais, a exacerbação da sexualidade e a profunda indiferença pelo semelhante, entre outras. Para embasar a análise, além dos textos dos dramaturgos mencionados, serão utilizados os postulados teóricos de Hans-Thies Lehmann, Patrice Pavis, Antonin Artaud e Linda Hutcheon.