A inserção na sociedade talvez seja um dos processos mais duros que o ser humano pode enfrentar. Nesse sentido, nascer e viver com a imagem e registros que não refletem a sua identidade de gênero, seja ele masculino ou feminino, pode redundar no agravamento das dificuldades de inserção no meio social em que se vive. Isso é, se já é difícil para um indivíduo despertar para a sua identidade, e viver segundo esta, em uma sociedade que martiriza seus integrantes para se inserirem nos padrões de normalidade estética e de valores, este conflito é ainda maior para àqueles cuja condição de gênero vai muito além, pois é preciso enfrentar, antes de tudo isso, o conflito interno da própria aceitação. Transcender questões como essas, tanto a partir de um paradigma pessoal, quanto de comunidade e Estado, requer que se abandone a zona de conforto, subtraindo-se de todas as convicções morais conservadoras, religiosas e particularizadas, compreendendo que o transexual é dotado dos mesmos direitos fundamentais que qualquer outro ser humano. Dado esse contexto, esse ensaio visa trazer algumas luzes sobre a existência de aparatos normativos no ordenamento jurídico brasileiro que estejam aptos a implementar e propiciar o acesso ao serviço público de saúde segundo a identidade de gênero, bem como se esses, em existindo, de acordo com as suas disposições legais, são eficazes. Parte-se da hipótese de que, a despeito da existência de um corpo normativo que albergue os direitos dos indivíduos segundo o seu próprio reconhecimento de gênero, as maiores barreiras a serem enfrentadas encontram-se na efetividade desses postulados e na sua incorporação em um meio social que ainda estigmatiza as minorias e as diferenças. Desta feita, considerando que a transexualidade e as distintas orientações sexuais são atualmente (em verdade como sempre o foram, ainda que sob opressão) uma realidade plural corriqueiramente posta na vida em sociedade, constituindo-se em pautas estatais centrais em termos políticas públicas, é que a presente pesquisa se justifica socialmente e para o Direito. Para o desenvolvimento do ensaio, as diretrizes metodológicas partirão do método de abordagem hipotético-dedutivo, visando o processo de confirmação ou falseamento da hipótese lançada, sugerindo-se, por fim, um (re)olhar para as políticas públicas de saúde, notadamente no seu acesso mais primário e local, adequando-as as especificidades da população transgênero.