A noção de dialogismo deu origem a um campo de pesquisa apenas vislumbrado no final dos anos 1970, quando os estudos enunciativos, discursivos e textuais começam a fazer um deslocamento do estudo das formas da lÃngua para as do discurso ou do enunciado produzido no já-dito, orientado para o outro e para os discursos por vir. Partindo do caráter heterogêneo do enunciado,do enunciador e do enunciatário, tais estudos não constituem apenas uma mudança de etiqueta. Trata-se de uma revolução teórica, como mostra toda uma literatura consagrada ao discurso reportado, à intertextualidade, à heterogeneidade (mostrada e constitutiva), ao dialogismo (interdiscursivo e interlocutivo), à representação do discurso outro (RDO), à polifonia. Apesar da noção de dialogismo correr o risco de tornar-se uma fórmula vazia ou um dogma, ou de ser considerada como uma chave milagrosa que abre todas as portas (François, 2006), considero que o valor heurÃstico da noção não está esgotado. Esse artigo examina as retomadas-modificações de uma reportagem em cartas de leitores. O foco são os modos de presença do discurso outro não marcadas, sem as quais não haveria discurso atual, e que não têm lugar nas descrições dos esquemas sintáticos “clássicosâ€. Nas cartas, os leitores comentam os discursos que circulam nas mÃdias, silenciando as fontes e os contextos do que é reportado, evocado, mencionado, etc. O discurso outro é introduzido por meio de nominalizações e torneios sintáticos que acentuam diferentes aspectos do discurso fonte, dos discursos-respostas ao discurso fonte,numa cadeia ininterrupta durante um momento discursivo, criando formas de polêmica velada e de dialogismo velado (Bakhtin, 1977). As análises mostram que o trabalho de interpretação passa necessariamente pela reconstituição dos fios dialógicos intra e interdiscurso.