O presente ensaio aborda o ato narrativo como ato identitário. A personagem feminino-travesti do filme Tirésia France-Canada 20031 é nosso objeto de análise – espécie de “intercessor” –, no sentido usado por Deleuze, para uma reflexão crítica sobre a produção de sentidos, modos de organização e estruturação das narrativas audiovisuais, especialmente como se processa na imagem cinematográfica do eterno feminino. Tirésia encarna, ao mesmo tempo, o corpo feminino e o corpo colonizado, o duplo “outro” da narrativa. Dois aspectos orientam nosso interesse: o questionamento da lógica binária das narrativas dominantes no cinema ocidental e a representação do corpo brasileiro como estéreotipo do duplo “outro”. Nosso objetivo é tentar compreender como a mitificação do olhar ocidental se perpetua e os efeitos que engendra na formação das identidades brasileiras.
This essay addresses the act of narrating as an identity act. The feminine- travesty character from the film Tirésia/France-Canada/2003 – a kind of “intercessor” – is our object of analysis, in Deleuze‟s sense, for a critical reflection about producing sense, modes of organizing and structuring visual narratives, especially their processing in the eternal feminine‟s cinematographic image. At the same time, Tirésia incarnates both the feminine and the colonized body; the double “other” of the narrative. One‟s interest is chiefly directed to two aspects: the questioning of the binary logic of the dominant narratives in Western cinema and the representation of the Brazilian body as a stereotype of the double “other”. One‟s goal is to understand how the mythicizing of the Western view perpetuates and the effects it engenders on forming Brazilian identities.