No presente artigo, pretendo analisar uma das interpretações da distinção transcendental entre fenômenos e coisas em si mesmas, a tese dos dois aspectos [the two-aspect view]. Meu objetivo é indicar e esclarecer alguns pressupostos fundamentais dessa interpretação, nem sempre explicitados pelos seus defensores. Um dos maiores desafios dessa interpretação é explicar como é possível conciliá-la com a tese kantiana da não espacialidade das coisas em si mesmas. Pretendo mostrar que a conciliação pressupõe a satisfação das três seguintes condições: (i) em primeiro lugar, é necessário admitir que, para Kant, a relação cognitiva entre objeto e sujeito cognoscente é constitutivado objeto; (ii) em segundo lugar, é preciso conceber a identidade entre fenômeno e coisaem si mesma como uma identidade relativa, não absoluta; (iii) em terceiro lugar, é preciso admitir que certos enunciados sobre o objeto da cognição possuem uma estrutura lógica peculiar, a estrutura de um juízo reduplicativo. A análise desses pressupostosvisa contribuir para a elucidação dos compromissos teóricos da tese kantiana do idealismo transcendental.
In this paper, I examine an interpretation of the transcendental distinction between appearances and things in themselves, the so-called ‘two-aspect view’. I want to point out and clarifysome fundamental assumptions of this interpretation that are generally not recognizedby its proponents. The two-aspect view faces a difficult challenge: explaining how it can be reconciled with Kant’s thesis of the non-spatiality of things in themselves.I argue that three conditions must be satisfied: (i) it is necessary to assume that the relation between object and the cognitive faculties constitutesthe object of cognition; (ii) it is necessary to think the identity between appearances and things in themselves as a relative identity, not an absolute one; (iii) it is necessary to understand some of the statements about the object of cognition as reduplicative judgements. The analysis of these assumptions aims to clarify the theoretical commitments of Kant’s transcendental idealism.