Uma mudança singular ocorreu no panorama filosófico e cultural. Nos anos que seguiram imediatamente à segunda guerra mundial foi grande a difusão e acolhida que recebeu a tese de Hans Kelsen que estabelecia um nexo estreito entre empirismo, relativismo e democracia de um lado e “absolutismo filosófico†e “absolutismo polÃtico†de outro. Aos olhos do grande jurista (e de numerosos outros ilustres intelectuais de primeirÃssimo plano) não havia dúvida: o “totalitarismo epistemológico†abria caminho para o “totalitarismo†polÃtico propriamente dito. Em nossos dias, em vez disso, desfruta de enorme prestÃgio, nos Estados Unidos e no Ocidente, um Leo Strauss, campeão do universalismo e crÃtico radical do relativismo, segundo o qual, bem longe de ser o fundamento da democracia, o relativismo pode justificar até o “canibalismoâ€. Devemos tomar partido por Kelsen ou por Strauss, pelo “relativismo†ou pelo “universalismoâ€? Em realidade, nem um nem o outro mantêm suas promessas. Não obstante suas poses iconoclastas, o “relativismo†de Kelsen (ou de Richard Rorty) não põe em discussão as ingênuas certezas da ideologia dominante e desemboca na exaltação acrÃtica do Ocidente liberal. Vem à mente a advertência de Hegel: um certo relativismo pode muito bem “combinar-se com um cru dogmatismoâ€. A este mesmo resultado também chega o “universalismo†tal como o entende Strauss (ou Habermas), que não hesita em apontar no Ocidente liberal a encarnação dos valores universais e que não por acaso tornou-se o filósofo de referência das assim chamadas “guerras humanitáriasâ€. Vem à mente outra advertência de Hegel: um certo “universalismo†bem pode transformar-se num “empirismo absolutoâ€, isto é num etnocentrismo exaltado. Não obstante as aparências, as duas tradições de pensamento aqui contrastadas têm em comum um dogmatismo de fundo: como explicar isso e de que modo superar esta situação?