O artigo parte de duas experiências de organização e de representação dos presos no sistema penitenciário paulista: as Comissões de Solidariedade, nos anos oitenta, e o Primeiro Comando da Capital (PCC) nos anos noventa do século XX. Nos anos oitenta, a denúncia da existência de uma organização criminosa, denominada Serpentes Negras, ainda que jamais tenha sido comprovada, gerou um clima de tensão que articulou funcionários, diretores de presídios, sociedade civil, políticos e imprensa numa campanha de oposição às políticas de humanização dos presídios do governo Franco Montoro, com impacto direto sobre as Comissões de Solidariedade (símbolo da política de humanização) que acabaram deslegitimadas e desarticuladas poucos anos após a sua criação. Mesmo nunca comprovado, o rumor da existência das Serpentes Negras serviu não só para deslegitimar as políticas de humanização dos presídios como também para fundamentar o aumento da repressão e da violência institucional que atingiu o sistema prisional paulista na sequência do governo de Montoro. Desta forma, pretende-se discutir o papel que as Serpentes Negras tiveram no contexto em que emergem as denúncias sobre a sua atuação, os impactos provocados nas políticas governamentais e na dinâmica das prisões, bem como o eventual legado deixado no sistema prisional paulista. Independentemente de sua existência factual, as Serpentes Negras aparecem como a primeira experiência de um grupo organizado de presos, mais ou menos delimitado e identificado, e que, através de uma suposta rede de contatos, apresentaria um potencial de executar ações capazes de exercer forte pressão sobre o governo do Estado. Justamente por remeterem a uma experiência inédita nos cárceres brasileiros, as Serpentes Negras são apontadas por alguns como precursoras do PCC, atualmente a principal organização de presos do Brasil.
The article is based on two experiences of organization and representation of prisoners in the São Paulo penitentiary system: the Solidarity Commissions in the 1980s and the First Capital Command (FCC) in the 1990s. In the 1980s, the denunciation of the existence of a criminal organization, called Serpentes Negras [Black Snakes], although never proven, created a climate of tension that articulated officials, prison officials, civil society, politicians and the press in a campaign of opposition to humanization of the Franco Montoro government prisons, with a direct impact on the Solidarity Commissions (symbol of humanization policy) that were eventually delegitimized and disjointed a few years after their creation. Even unproven, the rumor of the existence of the Black Serpents served not only to de-legitimize the humanization policies of prisons, but also to support the increase in repression and institutional violence that hit the São Paulo prison system following the Montoro government. Thus, we intend to discuss the role that the Black Serpents played in the context in which the complaints about their actions emerge, the impacts caused by government policies and prison dynamics, as well as the eventual legacy left in the São Paulo prison system. Regardless of their factual existence, the Black Serpents appear as the first experience of an organized group of detainees, more or less delimited and identified, and who, through a supposed network of contacts, would have the potential to perform actions capable of exerting strong pressure. about state government. Precisely because they refer to an unprecedented experience in Brazilian prisons, the Black Serpents are pointed by some as precursors of the FCC, currently the main prisoner organization in Brazil.