Dos estudos que Merleau-Ponty dedica à noção de corpo, este projeto versará sobre os modos como a relação entre sexualidade e existência pode ser compreendida à luz de uma reinterpretação ontológica e fenomenológica da psicanálise freudiana. Com efeito, a partir de Três Ensaios sobre e Teoria da Sexualidade, veremos, num primeiro instante, como os atos humanos não são determinados apenas por um inconsciente falho e involuntário; dado que as produções do inconsciente do outro influem sobre as fontes do inconsciente subjetivo (e vice-versa), em Freud o teor destes atos possuiriam antes uma significação pulsional de ordem sexual e conflitiva que se estenderia da infância (onde é predominantemente polimorfa, perversa e autoerótica) à vida adulta (onde coloca-se à serviço da função reprodutora, sob o primado da zona genital) e que, objetiva e causal, deveria ser medida e direcionada para mantermos, em termos de economia libidinal, o controle de nossa vida sexual frente a ordem social. No entanto, haveria, aí, algo censurável, pois, se o analista – ao refletir sobre sua pratica – serve-se de uma teoria formulada em terceira pessoa e se distancia do discurso produzido em primeira pessoa pelo consulente, a sexualidade seria antes uma força biológica que, distante, determinaria as ações humanas. Assim, se desejamos devolver a vida mental ao mundo da vida sem, contudo, perder o aspecto essencialmente sexual de nossos desejos e paixões, será em Maurice Merleau-Ponty onde estes atos não serão mais objetos de contemplação, e sim vivências que, em carne e osso, expressam a maneira pela qual co-pertencemos a um mundo inter-humano. Para este, o corpo – nem puramente objetivista, nem puramente subjetivista – remete à nossa forma ampla de inserção no mundo da vida: na junção entre natureza e liberdade, é potência exploratória e é por ele que o ser vai ao mundo. E se assim o for, a partir de obras como A Estrututra do Comportamento, Fenomenologia da Percepção, O Visível e o Invisível, etc., o mesmo só pode ser compreendido a partir da relação que mantem com outras realidades sensíveis, para além de uma experiência para mim. Será preciso, portanto, considerar a afetividade e a sexualidade como modos de ser que evidenciam nossa relação com as coisas (partes constituintes do nosso trato com o mundo), sem apresentar-se independente da infraestrutura existencial humana. Partindo da própria estrutura psicanalítica, a obra de Merleau-Ponty revelará, na sexualidade, uma atmosfera que não é nem transcendência da vida humana, nem imagem de representações conscientes ou inconscientes, mas coextensiva à vida. Evitando certos pressupostos segundo os quais a sexualidade – seguindo uma causalidade própria – determinaria as demais esferas da vida, veremos que grande parte dos problemas descritos pela psicanalise não remetem necessariamente à uma estrutura sexual, mas estão antes ligados à atitude geral de ser no mundo, que envolve sempre o campo sexual. Posta de bases fenomenológicas, veremos, portanto, que a reinterpretação de Merleau-Ponty acerca da sexualidade não apenas devolve o ser a sua vivência de mundo, como dissolve a ideia de uma identidade estática e objetiva, pois esta, sendo corpo no mundo em relação com a alteridade, será sempre implícita e misteriosa.