A sociedade do cancelamento ou a literatura como o incancelável

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ISSN: 2316-6134
Editor Chefe: Ida Alves
Início Publicação: 15/05/2024
Periodicidade: Semestral
Área de Estudo: Linguística, Letras e Artes, Área de Estudo: Artes, Área de Estudo: Letras

A sociedade do cancelamento ou a literatura como o incancelável

Ano: 2025 | Volume: 36 | Número: 54
Autores: Luis Maffei
Autor Correspondente: Luis Maffei | [email protected]

Palavras-chave: Internet, Identity, Literature, Becoming, Cancellation

Resumos Cadastrados

Resumo Português:

Pensar a problemática do cancelamento nos convida a abrir um leque reflexivo, pois muitas pontas se juntam nesse fenômeno. A noção, punitiva desde a etimologia, foi deslocada do universo dos eventos (“cancelar uma festa”) para o das relações humanas (“cancelar uma pessoa”). A questão se liga ao processo de digitalização do mundo, pois a internet é mola e palco da lógica do cancelamento. A web provoca uma sensível redução da linguagem, o que facilita uma mentalidade vigorosa de extrema direita. Membros de grupos historicamente marginalizados sempre tiveram componentes identitários como motores de identificação e resistência, acionando-os para o convívio entre diferenças e ações transformadoras. Contudo, uma militância predominantemente online acaba por replicar práticas do novo populismo autoritário, que, por sua vez, também se aproveita da identidade, mas vaga e performaticamente, como mantra segregacionista. O resultado disso é a assunção, por pessoas mais ou menos próximas ao que se entende como esquerda, de uma ideia de superioridade moral, que rege exercícios de vigilância e anulação de diversas divergências – majoritariamente no espaço, pouquíssimo aberto ao debate, da internet, que nos propulsa a um espetáculo individualista desejoso de ganhos simbólicos (curtidas, breves elogios). Quando a prática do can celamento atinge a Literatura, tende a, além de constranger debates que podem ter lugar, ferir a igualdade que o texto literário propõe entre quem escreve e quem lê. A Literatura, com sua superação do esquema forma/conteúdo, aposta num devir que o cancelamento constrange, ainda que conteúdos abjetos em obras literárias sempre possam ser deplorados.



Resumo Inglês:

Thinking about the issue of canceling invites us to open a reflective range, because many dots build this phenomenon. The notion, punitive from its etymology, has shifted from the universe of events (“cancel a party”) to human relations (“cancel a person”). This problem is linked to the process of digitalization of the world, because internet is source and stage for canceling. The web causes a noticeable reduction in language, which facilitates a vigorous far-right mentality. Members of historically marginalized groups have always had identity components as drivers of identification and resistance, using them for living together in differences and for transformative actions. However, a predominantly online activism replicates practices of the new authoritarian populism, which, in turn, also takes advantage of identity, but vaguely and performatively, as a segregationist mantra. It causes the assumption, by people more or less close to the left, of an idea of moral superiority, which governs exercises of surveillance and annulment of various divergences – mostly in the space, close for real debates, of internet, which propels us to an individualistic spectacle eager for symbolic gains (likes, brief compliments). When canceling reaches literature, it tends to, in addition to constraining debates, harm the equality that literary text proposes between writer and reader. Literature overcomes form/content scheme, bets on a becoming that canceling constrains, although abject contents in literary works can always be deplored.