A análise das formulações acerca dos processos saúde-doença, morte e luto evidencia transformações social e culturais, ocorridas em determinado momento histórico. Com o processo de secularização ocorreu uma perda de sentido do sofrimento associado à transcendência, nas sociedades ocidentais. A ênfase no presente, a busca contínua de prazer e o exercício do livre-arbítrio tornam-se referências centrais. Neste contexto, movimentos sociais pelos direitos dos doentes, e grupos da classe médica afirmam o direito a não sofrer. Se não evitado, o sofrimento deve ter a menor duração e intensidade possíveis. É neste sentido que as propostas de atenção em torno do luto estão inseridas. Pelo fato de o luto constituir um processo em que o sofrimento é inerente, ele deve ser compreendido, cuidado e, na medida do possível, elaborado, amenizado ou, até, evitado. Manuais destinados a profissionais de saúde abordam o tema, sugerindo uma superação do luto, independente da perspectiva teórica adotada. É delimitada uma duração, referente ao que seria uma vivência normal ou patológica do luto, assim como são elaboradas prescrições, sejam elas preventivas ou curativas. Manuais e livros-texto, nacionais e internacionais, com caráter prescritivo, destinados a profissionais de saúde, configuram-se como objeto de análise desta pesquisa, uma vez que tais formulações refletem o contexto sociocultural. Na gestão contemporânea do processo de morrer, profissionais de saúde buscam promover ampla aceitação social da morte e uma preparação para o luto, para todos os atores sociais envolvidos nos cuidados ao final da vida. A proliferação de pesquisas e de propostas terapêuticas sobre o luto é evidenciada pela publicação de manuais específicos sobre o tema, a partir do século XXI. Afinal, o que o luto representa na cultura ocidental contemporânea, de modo a se encontrar cercado de atenção dos profissionais de saúde que objetivam sua superação? Frente ao risco de o processo de luto se tornar patológico, os saberes `psi' não estariam promovendo um controle e/ou autorregulação das emoções, no sentido de uma normatização deste evento?