No campo da literatura, a partir do final do século XIX, o ceticismo diante da possibilidade de uma representação objetiva, a ideia de que, antes de qualquer conteúdo ideológico, já seria ideológica a pretensão do narrador de representar a realidade, tem como resultado a perda de espaço da narrativa em terceira pessoa: esta cede lugar aos relatos em primeira pessoa, nos quais o narrador, frequentemente, se autoparodia, como se tivesse de se justificar, de pedir desculpas por ter ousado relatar algo, multiplicando-se os pontos de vista de modo a relativizar qualquer certeza. No âmbito deste artigo, busca-se pensar tal questionamento da objetividade narrativa no campo cinematográfico, considerando a crítica realizada, no Brasil, a partir dos anos 70, à “voz do saber” e ao uso da terceira pessoa, predominante no discurso do Cinema Novo. Parte-se da conjunção, no pós-golpe militar, entre a autocrítica dos cineastas intelectuais e o surgimento do cinema direto, com captação simultânea de imagem e som, para pensar a opção pelo ponto de vista – primeira ou terceira pessoa – no atual cinema de ficção brasileiro e sua relação com as demandas éticas e políticas que têm pontuado as duas primeiras décadas do século XXI.