O artigo propõe uma leitura da controvérsia sobre a constitucionalidade do abate ritual de animais em tradições de matriz africana a partir do conceito de “racismo religioso”. Os autores sugerem que a compreensão adequada do Recurso Extraordinário 494601 passa pelo reconhecimento da parcialidade (noutras palavras, da “branquidade”) das noções liberais de “(in)tolerência” e pela explicitação dos dispositivos de racialização e de normativa branca no caso. Ainda, sinalizam que a oposição e repressão às práticas tradicionais de alimentação em comunidades de terreiro, como circuito de distribuição de vida na diáspora africana, revelam, entre outras coisas, a própria necropolítica estatal, como modo da distribuição desigual de morte que tem como vítimas preferenciais a população negra. Conclui-se que a potência da decisão do Supremo Tribunal Federal, fruto de um embate não apenas entre moralidades mas entre nomoi, depende da narrativa em que esteja situada e do compromisso constitucional com uma agenda antirracista estrutural.
The article proposes a reading of the controversy concerning the ritual sacrifice of animals in Afro-Brazilian traditions engaging with the notion of “religious racism”. The authors make a case for the partiality (in other words, the “whiteness”) of liberal notions of “(in)tolerance”, focusing on racialization and white normativity as devices for a deeper understanding of RE 494601. Furthermore, they point out that the repression and opposition to traditional food practices in terreirocommunities, which conform a circuit of life (re)production in the African Diaspora, reveal the State's necropolitics as a mode of selective distribution of death which has black people as its main victims. Accordingly, we conclude that the impact of the Constitutional Court’s recent ruling, resulting not only from a conflict of moralities but also of nomoi, depends on the narrative in which it may be situated and the constitutional commitment to a structural anti-racist agenda.