A partir das obras finais do escritor francês Hervé Guibert (1990), este trabalho objetiva estabelecer a autoficção enquanto uma contranarrativa de uma experiência-limite, no caso, a epidemia de aids que se inicia na década de 1980. A compreendendo para além de suas possibilidades enquanto gênero literário, mas também como uma prática autoficcional, a elaboração desse trauma socialmente marginalizado esbarra nas limitações das escritas (auto)biográficas, e assim, pela subversão dos valores referentes à esse modelo, a autoficção manifesta-se como uma escrita estratégica que visa atravessar tais barreiras. Frente a uma experiência com tamanho poder de (des)subjetivação, possuindo temporalidades que lhe são próprias, pontuo uma aproximação com a consolidada literatura de testemunho, cujas releituras do impacto da Shoah ajudam a pensar a dificuldade da narração do trauma da aids e do luto irrealizado. O livro Para o amigo que não me salvou a vida (1990), assim, pode ser pensado como a produção de uma contranarrativa da morte decorrente por aids de Muzil, personagem associado ao filósofo Michel Foucault, colidindo com uma construção biográfica oficial baseada nos silêncios e não-ditos que encobriram a enfermidade em suas décadas iniciais, oferecendo, em resposta, a narração de uma subjetividade contemporânea e produzida historicamente.
Based on the final works of the french writer Hervé Guibert (1990), this paper aims to establish the autofiction as a counter-narrative of a limit-experience, in this case, the AIDS epidemic that began in the 1980s. Understanding the possibilities as a literary genre, but also as a self-made practice, the elaboration of this socially marginalized trauma runs counter to the limitations of (auto) biographical writings, and thus, by subversion of the values referring to this model, autofiction manifests itself as a strategic writing that aims to cross such barriers. Faced with an experience with such a power of (dis) subjectivation, possessing temporalities that are peculiar to it, I point out an approximation with the consolidated literature of testimony, whose re-readings of the impact of the Shoah helps to think the difficulty of narration of the AIDS trauma and mourning unrealized. The book To the friend who did not save my life (1990), thus, can be a production of a counter-narrative of death due to the AIDS of Muzil, a character associated with the philosopher Michel Foucault, colliding with an official biographical construction based on the silences and unsaid stories that covered up the illness in its initial decades, offering, in response, the narration of a contemporary and historically produced subjectivity.