A representação presente no imaginário social acerca do que é um cigano foi em boa parte insinuada e disseminada através de obras de arte literárias, as quais expressam dois tipos-ideais da “ciganicidade”, figurando esses sujeitos ora como “Strombolis” – “marginais” e “imundos” –, ora como “Melquíades” – “festeiros” e “misteriosos”. Quando parti para o campo, tinha por intuito ouvir o que os ciganos rom-kalderash tinham a dizer sobre eles mesmos. Contariam estórias nas quais seriam personagens? E estas, seriam importantes para o modo como tais sujeitos se construíam como “sujeito-rom”? Não mais as narrativas literárias grafadas em livros, mas as narrativas orais dos kalderash. Entretanto, antes de pensar as estórias propriamente ditas, tornou-se necessário discorrer sobre a noção de “espaço”, devido ao fato de que o modo como os roms vivenciam e praticam os espaços por onde passam é fundamental para entender o contexto nos quais as narrativas ocorrem, e que por sua vez é basilar na compreensão do que está sendo dito. No interior desse campo fenomênico de transformação de “espaço geográfico” em “espaço antropológico”, as “estórias de viagens” contadas pelos kalderash, me fizeram perceber que a despeito de engendrarem de uma espécie de terceiro tipo-ideal do que seria um cigano, constroem-nos antes como seres “fantásticos”, numa reelaboração de sua própria imagem a partir de um dos tipos-ideais citados acima, qual seja, aquele que os enxergam como Melquíades.
The representation made in the social imaginary about what is a gypsy has been implied and spread through literary works, expressing two ideal types of gypsiness: sometimes being as “Strombolis” – “declassed” and “dirty”, sometimes as “Melquiades” – “partying” and “mysterious”. When I started my fieldwork I intended to listen what rom-kalderash gypsies had to tell about themselves. Would they tell stories that they were the characters? And would these characters be important to the way how these subjects build themselves as “rom-subjects”? Not anymore the literary narratives written in books, but the kalderash oral narratives. However, before thinking the stories themselves, it became necessary to approach their notion of “space”. It was due to fact that the way roms live and practice the space is important to understand the context in which the narratives are told. In this phenomenical field of transformation from “geographical space” to “anthropological space” the “travel stories” told by kalderash made me realize that instead of creating a third kind of ideal type of what would be a gypsy, the stories build them as “fantastic” beings, in a reworking of their own image using the Melquiades ideal type of gypsy cited above.