Na Crítica da razão pura, Kant demarcou o alcance da razão teórica de modo que os limites do conhecimento permanecessem restritos à experiência possível. No entanto, ele reconheceu a presença na razão de uma propensão inevitável ao incondicionado e à totalidade, chamando-a de ilusão transcendental. Por outro lado, a psicanálise freudo-lacaniana, a partir da prematuridade humana, reconheceu uma dimensão ilusória promotora, desde o princípio, da formação do ego. Ambas as iniciativas sustentam a ideia da ilusão como integrante da natureza humana e como parte da subjetividade. Na tendência à totalidade e à unidade, Kant vislumbrou a função de organizar a experiência, enquanto Freud e Lacan, a de organizar a imagem corporal e egoica. Deste modo, refletindo os dois pontos de vista, o presente artigo reconhece na ilusão, uma função comum de orientação para a totalidade, desde a condição finita do sujeito (Kant), e da incompletude, segundo um mecanismo que põe o ser finito e incompleto em marcha para o ultrapassamento dessa condição (psicanálise). Desempenha, em ambas perspectivas, levadas em conta suas diferenças, uma idêntica função heurística de coordenação e montagem da condição humana, seja em seus efeitos benéficos, seja nos equívocos que produz.
In the Critique of pure reason, Kant demarcated the reach of theoretical reason so that the limits of knowledge are restricted to the possible experience. However, he recognized in the reason the presence of an unavoidable propensity to the unconditioned and to the totality, and called it transcendental illusion. In turn, the Freudian-Lacanian psychoanalysis, from human prematurity, recognized an illusory dimension instigator, since the beginning, of the ego formation. Both initiatives support the idea of illusion as part of human nature, as constitutive of subjectivity. In this trend toward wholeness and unity, Kant recognized the function of organizing experience, whereas Freud and Lacan, of organizing body and egoic image. Thus, reflecting upon both points of view, this paper recognizes in the illusion a common function of orientation for the totality considering the finite condition of the subject (Kant), and of incompleteness, according to a mechanism that puts the incomplete and finite being underway for the overcoming of this condition (psychoanalysis). It plays, in both perspectives, considering all their differences, a similar heuristic role of coordination and assembly of the human condition, be it in its beneficial effects, or on the misconceptions that it produces.