A reflexão sobre Deus perpassa a maior parte da poesia de Hilda Hilst,
como se através de seu fazer poético a autora não só pudesse apreendê-lo como
também garantir sua própria fé, fazendo de sua poesia a religião pela qual ela
questiona e, ao mesmo tempo, professa Deus. E, nesta sua profissão de fé, a
poeta muitas vezes subverte a concepção divina judaico-cristã, desestabilizando
a Imago Dei masculina que milenarmente legitima o patriarcalismo e a opressão
feminina. Por meio da leitura de dez, dos vinte e um poemas abrigados na obra
Poemas malditos, gozosos e devotos (1984), buscamos demonstrar que uma de
suas estratégias utilizadas é o aproveitamento poético do erotismo. Embora a
autora não seja vinculada a um programa literário feminista, ao representar
poeticamente o erotismo, como via de acesso ao sagrado, contribui também para
promover a emancipação da mulher. Associam-se, assim, construção erótica e
construção da cidadania, analisadas neste texto de um ângulo simultaneamente
literário e sócio-existencial.