Este artigo discute a trajetória de Bento de Jesus, irmão leigo da Ordem Terceira de São Francisco que atuou como pregador da fé católica no arquipélago de Cabo Verde na primeira metade do século XVII e foi condenado à morte pela inquisição portuguesa na sequência de uma experiência mÃstica considerada herética pelos inquisidores lusitanos. Será empreendida uma análise do conteúdo de sua visão extática e da maneira como Bento entendia a doutrina católica e a transmitia aos africanos de Cabo Verde. Pretende-se evidenciar como sua pregação, por meio de uma linguagem religiosa que enfatizava as práticas penitencialistas, corroborava as coordenadas fundamentais de um discurso jesuÃtico amplamente disseminado no mundo atlântico, o qual legitimava a escravidão africana a partir de uma representação do cativeiro como uma necessária purgação dos supostos pecados dos africanos. Levando-se em conta o fato de que Bento de Jesus era, ele próprio, africano e descendente direto de escravos, intenta-se discutir como essa ideologia de legitimação da escravidão foi apropriada pelos africanos de maneiras ambivalentes (e eventualmente desviantes), que reforçavam o discurso escravista ao mesmo tempo em que o tencionavam e expunham algumas de suas contradições.