As instituições médicas brasileiras tem-se movimentado na
busca de mais qualidade na formação do médico. Alguns pontos
parecem claros e consensuais: o volume e a complexidade
do conhecimento não permitem uma detenção do poder, por um
lado, e a absorção passiva por outro; o curso se alongou de 6
para 8, 9 anos e nem o dobro disso possibilitaria o impossÃvel:
“ensinar tudo a todosâ€, principalmente tendo-se em conta que o
aprendizado é pessoal, ativo e intransferÃvel. Não adianta ter
currÃculos massudos com pulverização de disciplinas, com memorização
do xerox que é esquecido após a prova.
São caracterÃsticas da nova escola o ensino centrado no aluno,
aprendizagem mais ativa, priorizando grupos menores, o pró-
prio aluno, sob supervisão, gerindo sua produção e rendimento,
aprendendo a buscar conhecimento e se atualizar, num incessante
movimento que deve perdurar para sempre.
Outro ponto fundamental é a necessidade de se formarem profissionais
adequados à s demandas de saúde da região e do paÃs.
A inserção precoce na comunidade permite uma profissionalização
mais adequada, um treinamento em serviço, o aluno desde
o 1º ano como um verdadeiro agente de saúde e promotor da
vida.
O futuro médico deve estar familiarizado com as conquistas
tecnológicas de ponta, mas (e isso tem sido exaustivamente debatido)
não pode perder de vista a pessoa do paciente, não
pode se sujeitar a ser instrumento de prescrição e venda de
medicamentos e aparelhagem sofisticada.
Se examinarmos o perfil desejável para o egresso da escola
médica do novo milênio veremos que se espera um profissional
com consciência polÃtica, cidadania e ética, que seja promotor
de transformação da sociedade, que alie competência a uma visão
humanitária, vendo o paciente através e além dos sintomas.
Vários itens do perfil do médico incluem atributos e atitudes
que tem que ser estimulados, reforçados e valorizados durante
sua formação e vão exigir, da instituição, uma ambiência favorá-
vel, dos docentes, modelos adequados de identificação e das
ciências do comportamento, subsÃdios e suporte para o complexo
processo de vir-a-ser médico. O estudante, paralelamente Ã
aquisição do cognitivo, deve tomar consciência do domÃnio afetivo.
Em nossa escola (FAMERP) são oferecidos desde o 1º ano,
cursos de Literatura, História da Arte, Comunicação, Expressão
Corporal, Teatro, Elementos de Filosofia e Psicanálise, treinamento
de habilidades na área psicossocial, entre outros. O aluno
treina e refina seu senso estético, sua capacidade de percep-
ção de si e do outro, sua visão do mundo. Isso o ajuda a definir
seu papel na escola e seu sentido no mundo.
Deve a escola estar apta e atenta a auxiliar o ingressante na
sua adaptação, ao curso, à cidade, ao modelo pedagógico, ciente
de que o adolescente vai enfrentar não só o desafio de um
curso exigente, (com vocação muitas vezes vacilante, com auto
exigência e pressões institucionais e familiares) mas a supera-
ção dos conflitos próprios da adolescência.
Além disso, as vivências do próprio curso expõem o aluno ao
confronto com a morte, sofrimento, miséria, com seus próprios
sentimentos conflitantes, suas onipotência e onifalência, feridas
narcÃsicas e defesas adequadas e inadequadas . Nos anos
de internato a pressão da demanda, privação de sono e os plantões
povoam o universo do “aprendiz de feiticeiroâ€.
Será necessário tanto sofrimento numa carreira que é desgastante
pela própria natureza? Com exigências descabidas de excesso
de atendimentos (muitas vezes em seguida a noites sem
dormir, como se tratassem de seres especiais sem necessidades
básicas) sem supervisão adequada, com superiores “inalcançá-
veisâ€, provoca-se a deformação no processo que deveria ser de
construção contÃnua, de aperfeiçoamento constante.
Fala-se da selvageria do sistema de saúde vigente; muitas
vezes na escola essa já é praticada e passada aos alunos, deformados
(3) seguidores de professores que não educam.
No Simpósio de Educação Médica, Psicanálise e Psicologia,
realizado em São Paulo debateu-se, em alguns grupos, a questão
da de-formação do aluno médico que, segundo os relatos de
vários professores (meu inclusive) são mais humanistas e preocupados
nos anos básicos e intermediários e que se mostram
frios, distantes e robotizados na sua relação com o paciente no
final do curso.
Provavelmente, isso será mais evidente na escola que também
não vê o aluno como pessoa e não se preocupa com seu destino
e circunstâncias.
Cumpre lembrar, porém, que alguns fatores que fogem da alçada
da escola médica e ao controle mesmo dos docentes comprometidos
e interessados no alunado: por um lado, alunos ingressando
cada vez mais jovens e imaturos; além disso com a oferta
maior de cursos médicos, muitos na própria cidade de origem
entram e então permanecem, ou por acomodação ou pressão
familiar, sem vocação, sem o “chamado†genuÃno.
Muitas famÃlias se agarram à possibilidade do filho médico ou
por desejar ascensão social, com fantasias de prestÃgio e rendimento
ou (tenho levantado seriamente essa hipótese) por necessidade,
talvez ainda inconsciente, de sobrevivência, pois está
difÃcil sobreviver na “selva†sem um parente médico que possa
intervir.
Por outro lado, o sistema de saúde vigente, a pletora médica
com competição que tende a “nivelar por baixoâ€, multiplicidade
de vÃnculos empregatÃcios com tentativa de compensar salários
baixos, a quantidade comprometendo a qualidade do atendimento,
são insatisfações que permeiam a atividade médica e que
escapam ao controle da escola médica que, aliás deveria ter vez
e voz nas discussões polÃticas que afetam a saúde, (da popula-
ção e da própria instituição).
O sub tÃtulo do trabalho de Sérgio Rego (1), “Saindo da adolescência
com a vida (dos outros) nas mãos†faz-nos pensar na carga
de responsabilidade que é colocada nesse adulto jovem que não
só carrega a vida dos outros mas a sua própria, emergindo da
escola como agente de seu destino, emancipado da adolescência,
(provavelmente ainda em luto pelo que perdeu e em trêmula e
hesitante expectativa do que lhe reserva a maioridade), tendo ainda
pela frente opções importantes e decisivas de carreira e vida
pessoal.
É preciso que a Escola Médica esteja atenta e apta a auxiliar seu
aluno desde o ingresso a se tornar um médico competente sem
tanta angústia.
Oportunidade de lazer, cultura e esportes podem fazer a diferen-
ça entre uma instituição que informa e outra que educa, que se
preocupa com a saúde fÃsica, mental e social do seu aluno e do
seu docente (2). Aliás, o clima da instituição deve favorecer a
valorização de ambos, discente e docente não só pela iniciação
cientÃfica e trabalhos publicados, mas pela dedicação ao “outroâ€,
pela promoção da vida, pela cumplicidade na construção de uma
sociedade mais justa e mais humana.
Essencial que haja um serviço psicológico e psiquiátrico de
atendimento ao aluno: muitas vezes são necessários orientação e
apoio quando as dificuldades de lidar ultrapassam momentaneamente
as contenções da personalidade.
O programa de Tutoria (Mentoring) e não se trata aqui do tutor
de PBL, desponta também como meio eficaz de tutela amiga, competente
e confiável, proporcionada a grupos de 10 alunos do 1º ao
6º ano por professores preparados. Em nossa escola, os alunos,
em suas expectativas sobre o funcionamento, relataram esperar
que o professor seja amigo que partilhe as experiências pelas
quais passou, os caminhos que percorreu, não necessariamente
tendo todas as respostas mas agindo como catalizador de insights
e reações importantes no grupo.
As mulheres médicas tem que enfrentar dificuldades ligadas Ã
compatibilidade entre duplos, triplos ou quádruplos papéis que
vão desempenhar: médica, mãe, esposa, dona de casa. Além disso,
podem ser discriminadas quando escolhem especialidade em
territórios predominantemente ou tradicionalmente masculinos,
apesar de que, com o aumento constante de mulheres na área
médica e sua crescente autonomia, esses espaços tem sido conseguidos,
invadidos e conquistados.
É preciso atender o aluno com relação ás opções de carreira
pois que a escolha da especialidade é uma escolha de estilo de
vida, e fator importante na construção da auto estima e felicidade.
É preciso também atender o docente em suas necessidades de
formação, aperfeiçoamento e busca de se tornar um verdadeiro
educador.
Rubens Alves (4) reflete, com propriedade, sobre a diferença
entre professores e educadores:
Eu diria que os educadores são como as velhas árvores.
Possuem uma face, um nome, uma estória a ser contada. Habitam
um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos
alunos, sendo que cada aluno é uma “entidadeâ€, sui generis, portador
de um nome, também de uma estória, sofrendo tristezas e
alimentando esperanças. E a educação é algo pra acontecer neste
espaço invisÃvel e sendo que se estabelece a dois. Espaço artesanal.â€
É essa comum-união do educador com o aluno que o estimula,
que o engrandece, que rejuvenesce sua mente e sua alma; é o
contato com o espÃrito jovem dos alunos que incita a queda das
velhas roupagens possibilitando à crisálida romper mais uma vez:
o professor pode alçar novos vôos, imaginar a escola com que
sempre sonhou e ter esperança nessa nova escola, nesse novo
tempo; nessa nova vida; esperança que não pode morrer, mesmo
ameaçada pelo terror...
Dissemos atrás que é preciso ajudar o aluno na busca da felicidade,
desejo esse legÃtimo e essencial, como essencial é preservar
a esperança: não só de áreas verdes nas nossas florestas
e em nossos currÃculos, mas áreas verdes da mente, que possam
vicejar em soluções criativas para um mundo melhor. Eu tenho
essa esperança em Deus e no homem.