Vivendo em Paris desde 1912, Mário de Sá-Carneiro assiste, angustiado, ao eclodir da Guerra de 1914-1918. A sua correspondência para os amigos Fernando Pessoa e José Pacheco não transmite, porém, notÃcias sobre a evolução das operações militares ou análises crÃticas das causas e circunstâncias do conflito. Aquilo que verdadeiramente interessa ao poeta é dar conta da transformação sofrida pela sua cidade-outrora-luz e a inevitabilidade de ter de abandonar, temporariamente que seja, o lugar onde a sua arte encontra a matéria-prima e o seu talento bebe a verdadeira «inspiração». Em Sá-Carneiro, a arte e a vida mutuamente se contaminam, mas o artista impõe-se sempre ao homem. Por isso as suas cartas são, em grande medida, fragmentos ou páginas de literatura, nas quais sobressai uma visão transfigurada e muito pessoal da guerra e, sobretudo, do seu «Paris da guerra», a cidade agora sombria, desolada e desoladora, com a qual intimamente se identifica.