Aquilo que refugamos é também aquilo que consideramos inútil ou imprestável, o que separamos do bom, o que repelimos. Os dicionários nos apresentam a definição do "refugo" como a porção inferior, do impuro, do que não presta, do que há de mais abjeto num grupo qualquer, o estragado, o degradado. Na literatura, a figura do refugo aparece frequentemente na obra do Marquês de Sade, de Antonin Artaud e de Carl Solomon por meio do sexo, do excremento e da doença mental. Postulam sobre aquilo que impede o feixe luminoso e harmônico do cÃrculo do pensamento e do sistema social que dele se pode se acreditar derivar. Referem-se à quilo que resiste e, portanto, apresentam gestos de resistência diante das ambições descritivas e das tentativas de traduções transparentes do mundo; dos anseios de tomar o mundo pelas mãos como que o domesticando pela força do pensamento, controlando-o pela nossa ratio. A despeito das nossas crenças de que podemos objetivamente justapor regularmente certos aspectos do real, aqueles autores nos lembram o que nos desfigura e que, ao mesmo tempo, nos constitui, o que define o arranjo do que somos. Ensinam-nos que são os nossos refugos que, enquanto despojos do real, podem, paradoxalmente, ampliar nosso “estoque de realidade†e, portanto, de vida. Dentre as diversas expressões da figura do refugo, gostaria de tratar a pichação como um tipo de literatura desta natureza.