A inclusão de alunos surdos nas escolas regulares foi muito importante, pois possibilitou a entrada desses estudantes no sistema de ensino regular. Entretanto o acesso é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso que esses alunos tenham condições de se manter na escola e adquirir os mesmos conhecimentos que os alunos ouvintes, ainda que de formas diferentes e com outras estratégias. Essa demanda e a luta da comunidade surda fizeram com que fosse criada a Lei de Libras, o curso superior de Letras-Libras, a lei nº 13.409/2016, que possibilitou um aumento de matrículas de pessoas com deficiência nas instituições federais, e a aprovação da Lei 14.191 de 2021 que inclui a educação bilíngue de surdos na LDB (Lei de Diretrizes de Bases 9394/96) como uma modalidade de ensino independente, visto que antes era incluída como parte da educação especial. A despeito desses avanços, existe, ainda, uma carência por pesquisas relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem de Matemática para alunos surdos, o que é fundamental para a capacitação dos docentes e a criação de cursos de especialização ou extensão para professores. Nesse sentido, é interessante perceber que, nesta Revista Espaço, nº 61, o leitor terá acesso aos resultados de algumas dessas pesquisas. Como forma de apresentá-las, descrevemos abaixo um breve resumo dos temas abordados em cada artigo. O artigo “Habilidades numéricas em crianças surdas: contributos teóricos para o uso de recursos pedagógicos digitais” apresenta contribuições de outras áreas como neurociências e psicologia cognitiva, que são fundamentais para compreender como as crianças aprendem Matemática. Além disso, identificam-se fatores associados ao baixo rendimento de crianças surdas em comparação aos ouvintes nessa disciplina. Posteriormente é apresentado, como recurso pedagógico, um videojogo educacional com tutorial bilíngue com o intuito de facilitar a aprendizagem de Matemática de diversas formas. As autoras do artigo “Ensino de Matemática para surdos nos Anos Iniciais: estratégias bilíngues e visuais a partir da proposta do MathLibras” apresentam uma discussão sobre a visualidade e sua relação com o ensino da Matemática. Além disso, ressaltam o que é necessário para se elaborar um material didático voltado para os surdos e descrevem a produção de vídeos do projeto MathLibras. Esses vídeos são pensados de maneira visual desde a sua concepção, não sendo apenas uma tradução de vídeos produzidos para ouvintes.Em “Estratégias de ensino: multiplicação no contexto da educação bilíngue de surdos” é abordado como a aquisição tardia da língua e o déficit experiencial influenciam no processo de ensino de multiplicação para alunos surdos. Para isso, foi realizada uma pesquisa com seis professores, sendo dois surdos, que ensinam Matemática em uma escola bilíngue, concentrando-se nos fatores didáticos e as especificidades linguísticas. Ao final são apresentadas algumas sugestões dos professores entrevistados e que podem ser aplicadas em sala de aula com o intuito de melhorar os processos de ensino e de aprendizagem dos estudantes surdos.No artigo “Etnomatemática Surda: uma análise de registros sobre práticas docentes de Matemática” é mostrado o conceito de Etnomatemática Surda e a articulação da experiência visual e da língua de sinais na construção dos conhecimentos matemáticos em comunidades surdas. A autora analisa os resultados obtidos após a realização de rodas de conversa com professores de Matemática para surdos, atuantes em escolas bilíngues, e mostra como esses professores planejam e organizam suas aulas reconhecendo a diversidade cultural dessa comunidade. Os autores do artigo “O Scratch como ferramenta educacional para o ensino de matemática bilíngue de estudantes surdos” apresentam o Scratch como um recurso pedagógico digital acessível no ensino bilíngue de matemática para estudantes surdos. São evidenciados fatores positivos e algumas dificuldades encontradas na utilização dessa ferramenta, que permite
a elaboração de aulas mais significativas, potencializando competências e habilidades matemáticas numa perspectiva multimodal.Em “O embrião da técnica: estudo sobre sua importância para promover o acesso ao saber”, com base na literatura sobre Matemática Inclusiva, analisa como a teoria do embrião da técnica é fundamental para promover o acesso ao conhecimento. Os autores partem da análise do caso de uma aluna para mostrar a importância da diversificação das ações didáticas que permitem a compreensão e o acesso equitativo ao saber. A autora do artigo “Lugar da Metodologia de Ensino de Matemática na formação de Pedagogo Bilíngue: reflexões a partir de narrativas docentes” reflete sobre a disciplina Metodologia do Ensino de Matemática do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos. A metodologia abordada é a pesquisa narrativa que transforma experiências e vivências dos discentes deste curso em objeto de estudo. São mostrados alguns materiais produzidos pelos alunos, realizados por meio da mediação docente e adequados às intencionalidades pedagógicas em questão.No último artigo, intitulado “Trajetórias de estudantes surdos no nível superior: desafios e possibilidades em disciplinas com conteúdo de matemática”, é abordado o percurso acadêmico de estudantes surdos que cursam Matemática ou graduações nas quais haja essa disciplina. Apesar de os alunos surdos estarem conseguindo ingressar no Ensino Superior, na maioria das vezes não estão sendo garantidas as condições para a permanência deles. Os autores apontam conjuntos de estratégias a serem tomadas para que ocorra a inclusão de alunos surdos no Ensino Superior e evidenciam a necessidade de mais discussões e novas práticas inclusivas.A seção Debate Técnico – Pedagógico segue a temática desse dossiê, com o artigo ‘Como assim, eles não sabem? ́: tensões enfrentadas por uma professora ouvinte no ensino de matemática para alunos surdos” que apresenta uma discussão na qual as autoras investigaram as tensões vivenciadas por uma professora ouvinte ao ensinar Matemática para alunos surdos do oitavo ano em uma escola bilíngue. A partir de instrumentos analíticos presentes na terceira geração da Teoria da Atividade foram analisadas as aulas da professora sobre leitura de etiquetas de produtos de supermercado, cujas tensões impulsionaram mudanças no trabalho em sala de aula.Como podemos observar, nestes artigos são apresentados exemplos de aplicação de recursos pedagógicos, produção de materiais didáticos, utilização da tecnologia, focando em aspectos visuais do processo de ensino aprendizagem de Matemática e vários outros temas importantes.Finalizamos, ressaltando a enorme contribuição de uma publicação como esta para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem da Matemática com alunos surdos, contemplando os mais diversos ambientes educacionais públicos e privados.