A percepção da presença do Estado autoritário no interior das rotinas democráticas, sobretudo em democracias recentes, em países de modernidade tardia e capitalismo periférico, como os da América Latina, é algo que não pode ser menosprezado pela teoria jurídica. Nesse campo, a análise se justiica quando se constata que, no século XXI, os mecanismos autoritários adotados pelo poder político inauguram uma lógica própria, se comparada ao autoritarismo estatal presente nas ditaduras e Estados totalitários do século XX, operando a coexistência de duas formas de Estado, que convivem simultaneamente em determinada sociedade: um Estado democrático de Direito, que se realiza formalmente na Constituição e está acessível apenas a uma parcela da sociedade – aquela economicamente incluída –, e um Estado de exceção, que não se assume juridicamente como tal, mas que é adotado como técnica de governo, a que também podemos chamar de governança permanente de exceção. A decisão sobre o Estado de exceção, teorizado por autores como Carl Schmitt, seria um exercício necessário da soberania, uma vez que preordenado à salvação nacional, em que, constatada a ameaça real ao Estado por um inimigo externo, decreta-se temporariamente a suspensão dos direitos dos cidadãos, para que se possa estabelecer a ordem. Sob esta ótica do Estado de exceção, ao menos no plano da teoria do Estado, a temporalidade seria algo intrínseco ao instituto da suspensão dos direitos, pois necessária à recomposição da paciicação social, ainda que, na realidade vivida, essa marca da provisoriedade tenha apenas sido constatada no discurso político. O Estado de exceção presente no século XXI, por outro lado, não interrompe a rotina democrática, mas com ela convive faticamente, apresentando-se como permanente, ainda que seu discurso de justiicação seja o mesmo de outrora: extermínio do inimigo que ameaça a sobrevivência estatal. O inimigo nos países latino-americanos tem um traço comum que o particulariza: ele é o pobre e vive na periferia das grandes cidades. Neste pequeno ensaio, faremos um esboço destas questões, a im de demonstrar que a superação do Estado policial e das formas absolutistas de governo não sucumbiu face aos avanços dos ideais iluministas e das revoluções liberais que instauraram as bases do Estado de direito. Essas formas autoritárias se mantiveram ao longo de todos os períodos históricos subsequentes, sob novas conformações. Utilizamos a denominação autoritarismo líquido para falar dessa nova natureza das medidas de exceção no interior das rotinas democráticas, por se tratar de medidas fragmentadas, cirúrgicas, acionadas sob uma pseudo aparência de legalidade, o que torna sua identiicação mais difícil. Chamamos a atenção para o cenário latino-americano, que tem se utilizado da jurisdição como meio de legitimação e de agenciamento do autoritarismo estatal.
he perception of the authoritarian State´s presence in the core of democratic routines, mainly in recent democracies, in countries of late modernity and peripheral capitalism, like the ones of Latin America, for example, is a fact that cannot be despised by legal theory. In this ield, the analysis is justiied with the conirmation that, in the 21st Century, the authoritarian mechanisms adopted by politic power introduce a particular logic, if compared to the state authoritarianism veriied in the dictatorships and totalitarian states of the 20st Century, operating the coexistence of two state forms, that live together simultaneously in a certain society: a democratic state, that realizes itself formally in the Constitution and is accessible only to part of the society – the economically included –, and a State of exception, that does not assume itself legally as such, but it´s adopted as a government technique, wich we can also call permanent governance of exception. he decision of the State of exception, theorized by authors like Carl Schimitt, would be an necessary exercise of sovereignty, once foreordained to national salvation, in which, veriied a real threat to the State by an external enemy, it is decreed temporarily the suspension of citizen’s rights, with the objective of establish the order. Under this point of view of the State of exception, at least in the scope of the state theory, temporality would be something intrinsic to the determination of the rights’ suspension, because it is necessary for the recomposition of social paciication, even so, in reality lived, this mark of provisional has only been veriied in the political discourse. he State of exception present in the 21th Century, on the other hand, does not interrupt the democratic routine, but coexists with it, resenting itself as permanent, even though its discourse of justiication is the same as before: extermination of the enemy that threatens survival state-owned. he enemy in Latin American countries has a common trait that particularizes him: he is the poor and lives on the periphery of big cities. In this short essay, we will sketch out these questions in order to demonstrate that overcoming the police state and absolutist forms of government did not succumb to the advances of the enlightenment ideals and liberal revolutions that laid the foundations of the State of exception. hese authoritarian forms continued throughout all subsequent historical periods under new conformations. We use the term liquid authoritarianism to talk about this new nature of the measures of exception within the democratic routines, because they are fragmented, surgical measures, triggered under a pseudo-legality, which makes their identiication more diicult. We call attention to the Latin American scenario, which has even been used of the jurisdiction as a way of legitimation and agency of State authoritarianism.