A ideia de que a tradução seja uma forma privilegiada de leitura e crÃtica e, como tal, possa contribuir para a própria escrita e para a literatura não é nova: remonta ao inÃcio da história da tradução literária ocidental. Ao longo dessa história, diversos escritores utilizaram a autotradução como uma ferramenta de escrita. O filósofo tcheco-alemão-judeu-brasileiro Vilém Flusser desenvolveu um método de reflexão e escrita que consistia em autotraduzir e retraduzir sistematicamente seus ensaios recorrendo a quatro lÃnguas: alemão, português, inglês e francês. O presente artigo analisa essa prática de autotradução e retradução, que possibilitava a Flusser ganhar um distanciamento crÃtico e uma abertura de novas perspectivas para o tema a ser tratado. Essa prática dialógica, semelhante à epoché de Husserl e ao pilpul dos talmudistas, introduz, nas palavras de Bento Prado, “a pluralidade e a diferença na unidade e na identidade do próprio sujeitoâ€.
The idea that translation is a privileged form of reading and critique and, as such, may contribute to the actual writing and literature is not new: it goes back to the early history of Western literary translation. Throughout this history, several writers have used self-translation as a writing tool. The Czech-German- Jewish-Brazilian philosopher Vilém Flusser developed a method of thinking and writing whereby he self-translated and retranslated his essays systematically by resorting to four languages (German, Portuguese, English and French). This paper examines the practice of self-translation and retranslation that enabled Flusser to gain a critical distance and new perspectives on the subject at hand. This dialogic practice, similar to Husserl’s epoché and to the talmudic pilpul, introduces, in the words of Benedito Prado, "plurality and difference into the unity and identity of the [writing] subject."