O tradicional corpo editorial e de avaliadores de uma revista acadêmica exerce aquilo que chamaremos de doses seguras de criticidade, sem lugar para o ódio, mas que não deve ser substituído de modo algum por algo mais carismá-tico. Devemos lidar bem com as diferenças de opinião e praticar a refutação de ideias, sem que para isso haja cancelamento de obras ou de pessoas. A prática do personalismo no exercício do poder ocasiona uma mácula prejudicial ao flores-cimento de novos autores e conceitos.Do que a ciência precisa se desviar e evitar? Da “literatura de cabresto”! Não é de hoje que observamos os escândalos envolvendo a má utilização da máquina pública. No entanto, tem se manifestado, em certos setores de nossa sociedade, uma predileção pelo ataque à ciência (e aos cientistas) e uma tenta-tiva de desmantelamento de instituições de ensino e pesquisa. Instituições são “canceladas” perante a opinião pública, o que pode resultar em extinções físicas e não apenas danos morais. Chamamos a atenção para a tentativa de controle ao que se lê, ao que se estuda, e àquilo que comunicamos, seja em veículos pú-blicos de comunicação da ciência, da informação jornalística ou por meio de organizações da sociedade civil e de interesse público.De forma mais sutil, a leitura direcionada de determinados autores, ou de uma parte de um texto selecionado aprioristicamente, gera como resultado a leitura enviesada (“encabrestada”), levando à reprodução de slogans (palavras de ação) no lugar de produzir achados científicos ponderados e contextuais. Assim, corre-se o risco de passar à criação de um público somente repetidor de dis-cursos de terceiros, sem abrir espaço para a criação autoral e para a reflexão, de fato, crítica. Parece que insistimos aqui em uma formulação conspiratória? Pode, superficialmente, até parecer, mas o que assistimos, na atualidade, é ao ataque à ciência e aos cientistas; e não seria diferente com a Educação, a Cultura e com as Mídias e seus instrumentos públicos e democráticos de comunicação.Com tal cenário ameaçador, e às vezes desolador, o que há de brecha positiva a médio e longo prazos? Seriam os critérios investigativos que tornam, efetivamente, aquilo que chamamos de ciência. Esses critérios não devem ser corrompidos, mas praticados! Nesse clima de esperança freireana – celebremos o centenário de nascimento de Paulo Freire! – e nesse tom esperançoso, temos a felicidade de anunciar o Dossiê da Revista Espaço número 56: “Cultura Surda na Contemporaneidade: (re)significações”. Aprendemos com as experientes organi-zadoras deste Dossiê, Lodenir Karnopp, Madalena Klein e Márcia Lise Lunardi--Lazzarin, que a pesquisa científica não se faz em uma escala de evolução ascen-dente. Salientamos o quanto é importante para a comunidade surda acadêmica a organização deste Dossiê, a nosso convite, para que as autoras (re)visitassem as temáticas tratadas na publicação Cultura Surda na contemporaneidade, publicada há dez anos, em 2011, mas não necessariamente com um viés evolutivo.O nosso interesse nesse Dossiê está naquilo que é irrecusável: os arte-fatos culturais produzidos para e na comunidade surda. Comemoramos, nesta edição, os dez anos de uma coletânea que marca a pesquisa interdisciplinar, do modo como as três pesquisadoras, Lodenir Karnopp (UFRGS), Madalena Klein (UFPel) e Márcia Lise Lunardi-Lazzarin (UFMS) organizaram e propuseram, dentro de uma coerência de investimento que contou, no passado recente, com um edital de apoio do Ministério da Cultura (MinC) – Ministério este extinto em 2019. É do interesse de todos que vemos naquela publicação um marco, realizar tal convite pela Revista Espaço do INES. Celebremos respeitosamente, pois estamos diante de inúmeras dificuldades planetárias de enfrentamento da Covid- 19.Na seção Demanda Contínua, apresentamos dois artigos extrema-mente relevantes à temática de nossa Revista: 1. Paralelo entre pedagogias cul-turais dos povos indígenas e pedagogias culturais surdas, por Janie Amaral (UFPel), Antonielle Martins (UFPel) e Francielle Martins (Instituto Ladd) e; 2. Represen-tações da alteridade surda no texto publicitário: a campanha de natal de ‘O Boticário’, por Jonatas Rodrigues Medeiros (UFPR), Rhaul de Lemos Santo (UFPR) e Sueli de Fátima Fernandes (UFPR).Na seção Material Pedagógico, trazemos um material singelo no relato de experiência de André Luiz Aragão Bastos, surdocego concluinte do curso de Pedagogia do Departamento de Ensino Superior (DESU): Atividade de Letramento no INES: conto de história acessível ao surdocego.Na seção Arte e Cultura Surda, uma pérola aos amantes do teatro, o Grupo Signatores: uma jornada de três gerações de artistas. O ensaio começa com Quem conta um conto, aumenta um ponto, de Sergio Lulkin; segue com A geração do meio, de Adriana de Moura Somacal; e conclui com O terceiro de muitos, de Mateus Sousa. Recomendamos uma leitura deliciosa do texto e um olhar atento para as imagens das montagens de peças teatrais e as fotogra-fias de Fábio Zambom, Ricardo Almeida, Ramiro Furquim, Fabrício Simões e Marcelo de Freitas.Na seção Produções Acadêmicas, recomendamos a leitura do tra-balho de doutoramento de tese de doutorado de Rodrigo Custódio da Silva (UFSC), de 2019.Na Seção Visitando o Acervo do INES, temos a belíssima descrição arquitetônica e algumas notas sobre o prédio sede do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) por Solange Rocha, que organiza o museu dessa instituição.Desejamos a todos vacina no braço e uma boa leitura!