Este artigo teve como objetivo analisar as discrepâncias entre a narrativa de homens que mataram suas companheiras e as informações sobre o crime contidas nos documentos judiciais. Participaram três homens condenados pelo homicÃdio qualificado de suas companheiras. Com base no procedimento de estudo de casos múltiplos, foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas com cada participante. Também foram analisados os processos de execução criminal, os inquéritos policiais, os depoimentos de testemunhas e fotografias. Os relatos dos autores dos crimes continham informações, motivações e elementos diversos dos apresentados pelos demais documentos analisados. Tais discrepâncias foram discutidas, considerando-se questões relativas ao processamento da memória de todos os envolvidos, as falsas memórias, as distorções cognitivas e os diferentes interesses e perspectivas no contexto do sistema judiciário. A inexistência de uma narrativa congruente e a impossibilidade de apreensão de uma verdade única sobre os crimes ocorridos também foram problematizados.