A escrita é compreendida como um trabalho laborioso, extensivo, reflexivo e ou mesmo mítico, quando se concebe a criação literária como resultante de inspiração. No campo epistemológico e filosófico, diferentes correntes teóricas investigam a natureza da produção escrita e sua relação com o pensamento. Este artigo tomará como ponto de partida a concepção vigotskiniana de que o ato de escrever não registra somente as ideias concebidas no pensamento, mas provoca um movimento intenso e dialético gerado pelo confronto entre pensamento e palavra. Ao tentar textualizar os enunciados mentalmente construídos, o autor entra num processo de racionalização, próprio do universo do mundo da escrita, que provoca um movimento intelectual que não poderia se desenvolver sem o exercício da escrita. Este estudo de caso tem como objetivo analisar dois textos narrativos - primeira versão e versão revisada - produzidos por uma criança de oito anos, matriculada no 2o ano do ensino fundamental, em fase de apropriação da escrita. Entre a primeira produção e a segunda produção, a professora conversou individualmente com a aluna e expressou suas incompreensões em relação ao texto produzido. Esse diálogo não será aqui apresentado. Os dados analisados provêm apenas dos dois manuscritos. A função de interlocutora, exercida pela professora, provocou mudanças radicais na segunda produção. Pode-se concluir que os textos produzidos pela criança para cumprir uma tarefa escolar já apresentam os indícios de marcas de autoria e indícios de ideias apresentadas na primeira versão e desenvolvidas na versão revisada. Nesse contexto particular, a escrita foi um instrumento para constituir, organizar e modificar o pensamento.