Em JÚLIO CÉSAR, Shakespeare fala, através de Cássio, da possibilidade de a cena então representada se repetir “em sotaques ainda desconhecidos”. Mais uma vez o dramaturgo se antecipa à sua época, ao prever mil possibilidades de recriação, não só em sua obra, mas em toda e qualquer produção artística que apresente abertura para novas leituras, o que determina sua permanência no tempo, abrindo-lhe espaço no interior do cânone. Os sotaques a que Cássio alude poderiam bem ser, então, apropriações, ou as vozes de que trata Mikhail Bakhtin (1984). Ao se referir à linguagem como arena em que vozes/idéias se confrontam, o teórico russo, focalizando seus estudos no discurso do romance, passa ao largo da presença desse confronto também no texto teatral, chegando, mesmo, a considerar o drama monológico. Uma análise mais detalhada da shakespeareana, todavia, traz à luz, de maneira incontestável, o grande dialogismo que constitui essa obra, e o potencial nela existente para a exploração das formas de negociação de identidades, visto, inclusive, ser ela, por se tratar de teatro, propiciadora de novas leituras/criações a partir de autor/tradutor/ diretor/ator/platéia.