O projeto de criptomoedas tem como pressuposto básico a ideia de que o controle de emissão de moeda por uma autoridade central implica em limitação da liberdade individual nas relações de trocas econômicas por um terceiro que não participa diretamente destas mesmas relações e que somente se beneficia delas. Proposta como a solução para a intervenção estatal nas relações privadas, a criptomoeda apresenta, por meio de instrumentos informáticos, a solução e substituição dos bancos centrais nestas relações, suprimindo a necessidade de uma autoridade central certificadora da fidúcia da moeda utilizada, que, segundo os defensores das criptomoedas, seria o único papel desempenhado pelos bancos centrais nas relações econômicas. O discurso da criptomoeda se apresenta como uma radicalização do sistema econômico da autonomia, implicando em um retorno à noção de Estado como mero espectador do jogo do mercado. Contudo, ao colmatar o presente discurso com os conceitos de soberania e democracia, é possível vislumbrar que arguir a desestatização da emissão e controle da moeda não implica em fortalecimento da democracia, muito menos em “democratização da soberania”, pois, como foi analisado, a soberania só se constitui em um Estado quando este é constituído por meio de uma ordem jurídica coativa. Nas democracias constitucionais, o elemento da soberania já se manifesta na própria separação de poderes, onde, através do sistema de freios e contrapesos inerente ao próprio regime democrático constitucional, as forças sociais antagônicas ganham voz nos mais diversos valores positivados na constituição. Tais valores, ínsitos às mais diversas ideologias manifestadas no momento da promulgação da constituição e posteriormente atualizados pela própria dinâmica da sociedade, reconhecem as mais diversas versões de uma sociedade justa.