PRODUÇÃO ACADÊMICA: A apropriação da escrita por crianças e adolescentes surdos: interação entre fatores contextuais, l1 e l2 na busca de um bilingüismo funcional.

Revista Espaço

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ISSN: 25256203
Editor Chefe: Wilma Favorito
Início Publicação: 31/12/1989
Periodicidade: Semestral
Área de Estudo: Educação, Área de Estudo: Letras, Área de Estudo: Linguística, Área de Estudo: Multidisciplinar

PRODUÇÃO ACADÊMICA: A apropriação da escrita por crianças e adolescentes surdos: interação entre fatores contextuais, l1 e l2 na busca de um bilingüismo funcional.

Ano: 2003 | Volume: Especial | Número: 20
Autores: Dóris Anita Freire Costa.
Autor Correspondente: Dóris Anita Freire Costa. | [email protected]

Palavras-chave: Educação de Surdos

Resumos Cadastrados

Resumo Português:

O presente trabalho investiga a apropriação do português es-crito por crianças e adolescentes surdos, alunos das séries iniciais do ensino fundamental de duas escolas especializadas na educação de surdos. Considerando a Língua de Sinais (LI) como a língua natural dos surdos e o português (L2) como uma segunda língua, parte-se do princípio de que a apreensão do conhecimento pelo surdo se dá, pre-ferencialmente, através do canal visual. Tendo como fundamento epistemológico o pressuposto interacionista, considera-se que a apropriação da escrita pelo surdo se dá através da interação contínua e dialética entre fatores internos e externos, individuais e contextuais, num verdadeiro processo de co-construção. Nesta perspectiva, procurou-se analisar al-guns dos primeiros textos escritos dos sujeitos investigados, assim como as condições de produção desses textos. A amostra inicial abrangeu textos de 26 sujeitos das duas escolas, culminando com uma análise mais refinada, da qual fazem parte as produções de 8 sujeitos. A análise das condições de produção nos mostrou que sujeitos com características semelhantes, quanto à surdez e aspectos socio-econômicos, obtiveram resultados diferentes quanto à qualidade da produção textual, havendo uma correlação direta entre a qualidade dos textos e as condições de produção envolvidas. Verificou-se, assim, que para que as produções dos surdos sejam consideradas textos ou eventos comunicativos e necessário que algumas condições básicas sejam satisfeitas, entre as quais se incluem: condições de trabalho oferecidas pela escola; congruencia comunicativa entre professor e aluno; capacitação profissional do professor; trabalho com diversidade de gêneros textuais; uso de análise contrastiva entre LI e L2. Não se encontrou uma correlação direta entre grau de surdez, grau de oralidade e a qualidade da produção textual. Por outro lado, identificou-se uma correlação direta entre o desempenho em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e a qualidade da produção textual, no que diz respeito às competências sintáticas e morfolexicais. Quanto ao uso de LI, L2 e à mescla muito intensa entre essas duas línguas (LO) na produção escrita, comprovou-se o seguinte: o que mais compromete a qualidade do texto é o uso preferencial de uma linguagem intensamente mesclada (LO). O maior uso de L2 garante um texto de melhor qualidade comunicativa, mas o uso de LI não compromete essa qualidade. A análise dos textos mostrou-nos, ainda, dados importantes quanto a alguns aspectos gramaticais. Entre estes, salientam-se aqueles relativos à escolha lexical, em que se evidencia uma forte preferência dos surdos pelo uso de palavras de conteúdo, em detrimento das funcionais, e aqueles relativos ao uso dos traços sintáticos. Quanto aos traços sintáticos, verificou-se que estes têm um peso maior na qualidade da produção textual dos surdos do que os traços morfolexicais. Em outras palavras, os surdos que apresentaram maiores problemas quanto à produção textual foram aqueles que tiveram, também, mais proble-mas quanto ao uso dos traços sintáticos. Na análise dos traços sintáticos, constatou-se uma grande ocorrência de construções de Tópico-Comentário (TC). Verificou-se que o volume de tais construções é bem maior nas produções dos sujeitos que, preferencialmente, usam LI na escrita, sendo que tais construções não comprometem, absolutamente, a qualidade da produção textual. Os resultados mostraram, também, a relevância do gênero textual na produção escrita. Detectaram-se diversidades entre a proficiência dos alunos na produção textual e o tipo de gênero textual envolvido, sendo que a competência dos sujeitos varia muito mais nas modalidades narrativas do que nas dialogais. Averiguou-se, também, que o uso de LI e/ou L2 na escrita está diretamente relacionado à modalidade de gênero textual usada. Pode-se concluir que muitas das produções analisadas que, à primeira vista, podem nos parecer caóticas e 'esquisitas' revelam riquezas que, desveladas, apontam não para deficiências ou desvios, mas para uma competência lingüística que necessita ser compreendida. Os resultados obtidos levam-nos a rever alguns pressupostos teóricos, principalmente aqueles relativos à relação entre LI e L2 na apropriação da escrita pelos surdos, em que se verifica a necessidade de se buscar uma abordagem que se fundamente numa evolução em paralelo, no que se refere ao uso de conhecimentos novos e antigos ( ou LI e L2 ), o que culminaria na apropriação de um bilingüismo funcional. Além disso, há de se considerar a necessidade de se incluir os gêneros textuais na investigação das relações entre 'oralidade' e 'escrita', ou entre LI e L2, no caso dos surdos. Tais pressupostos teriam como principais consequencias para a pratica pedagógica a adoção de um bilingüismo funcional estável, que implicaria não só a aceitação da LI dos surdos, mas a apropriação do português escrito, conservando-se a estrutura sintática de LIBRAS ( ou LI), de uma forma equilibrada e evolutiva. A concretização dessa proposta pressuporia, entretanto, o atendimento a certas condições básicas, antes mencionadas, entre as quais se inserem o trabalho com gêneros textuais variados e o uso de uma análise contrastiva entre LI e L2.