DEBATE: Língua de sinais e desenvolvimento cognitivo de crianças surdas.

Revista Espaço

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ISSN: 25256203
Editor Chefe: Wilma Favorito
Início Publicação: 31/12/1989
Periodicidade: Semestral
Área de Estudo: Educação, Área de Estudo: Letras, Área de Estudo: Linguística, Área de Estudo: Multidisciplinar

DEBATE: Língua de sinais e desenvolvimento cognitivo de crianças surdas.

Ano: 2000 | Volume: Especial | Número: 13
Autores: Eulalia Fernandes
Autor Correspondente: Eulalia Fernandes | [email protected]

Palavras-chave: Educação de Surdos

Resumos Cadastrados

Resumo Português:

Por muito tempo profissionais da área da educação de surdos lutaram pela introdução da Língua Brasileira de Sinais na sala de aula.Desprestigiada e combatida,na fase da educação puramente oralista e, mais tarde,muitas vezes desrespeitada,consciente ou inconscientemente,por adeptos da Comunicação Total, a Língua Brasileira de Sinais teve um lugar quase sempre'apertado” no espaço acadêmico.Atualmente, no entanto,podemos afirmar que a Língua Brasileira de Sinais é reconhecida,em quase todo o Brasil,como o meio de comunicação por excelência para a comunidade de surdos.Faz-nos crer,também,que,reconhecidamente,um meio de comunicação indispensável,na escola.Pelo menos,teoricamente.Mas o fato é que levar em os ainda algum tempo para vermos o genuíno respeito à Língua Brasileira de Sinais e sua implantação efetiva,no meio escolar.Ainda cabe ressaltarmos que,mesmo considerada sua importância como meio de comunicação,isto ainda é inconsistente para uma boa educação do indivíduo surdo.Temos,portanto,duas etapas a cumprir: A implantação efetiva da Língua Brasileira de Sinais na educação do surdo e rever o conceito de educação propriamente dito,no que se refere não exclusivamente ao uso da Língua Brasileira de Sinais como instrumento de comunicação,mas como principal instrumento do pensamento para o aluno surdo. Isto posto,tratarmos da impor-tância da Língua de Sinais no processo de desenvolvimento do indivíduo surdo, requer entendermos que o processo educacional não se refere, exclusivamente,à aquisição de conteúdo acadêmi-co,bem como considerarmos que o desenvolvimento dos processos cognitivos,respeitadas as etapas naturais de sua evolução, não podem prescindir do domínio completo de uma língua como um dos principais meios de de-senvolvimento dos processos mentais. Nossa experiência refere-se a projetos desenvolvidos como con-tato permanente de um educador surdo,em turmas regulares ou em classes de surdos.Sua presença, no entanto,não representava,apenas, a garantia da Língua Brasileira de Sinais como portadora de aquisição de conteúdo. Aliás, a aquisição de conteúdo, verdadeiramen-te, não se deu em consequência direta da exposição à Língua Brasileira de Sinais,em si mesma,mas pela presença deste instrumental linguístico como portador de um novo meio de pensamento. Em outras palavras, adquirir a Língua de Sinais não teve,desde o princípio, como objetivo, a aquisição de conteúdo escolar,mas dar à criança,em primeiro lugar,um meio de comunicação mais eficiente consigo mesma,e não apenas com o mundo que a cerca.A base des-te processo consiste, portanto,em propiciar ao indivíduo a possibilidade de dominar o melhor meio de processar seu pensamento.Desenvolver-se cognitivamente, não depende,exclusivamente,do domínio de uma língua,mas dominar uma língua garante os melhores recursos para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento dos processos cognitivos.Assim,objetivamente,o que pretendemos é garantir o domínio de uma língua para dar bases sólidas ao desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Garantir a aquisição do conteúdo escolar é uma conse-quência natural desse processo e não a finalidade substantiva de nossa atuação.É nesta diferença de ponto de vista que se baseia o nosso trabalho.Entendê-lo e aplicá-lo pedagogicamente traz,como consequência,reformular as bases do processo educacional do indivíduo surdo em nosso país.Ocorre,no entanto,que o ensino tradicional não está, muitas vezes,preparado e receptivo a este novo enfoque de ensino/aprendizagem.Sob este prisma,ao tornar-se adepto de uma educação onde o bilinguismo apresenta-se como suporte de comunicação. O profissional da educação de surdos não pode deixar-se levar apenas pelo afã da comunicação propriamente dita e dos resultados es-colares. O objetivo de nosso trabalho é ultrapassar estas expectativas puramente “acadêmicas”.De modo geral,no entanto ,o que observamos nas experiências realizadas em vários centros educa-cionais do Brasil são turmas nas quais crianças que conhecem“mais ou menos”os sinais,contam como apoio de um surdo adulto que domina esta língua e“ajuda”o professor ouvinte,no processo da passagem de conteúdo. Na maioria das vezes,este surdo nãoacompanhaa turmacoti-dianamente,o professorouvinteusasinais,masdominapoucoasua gramática(o quenãogaranteumacomunicaçãoidealcomosalunos)e, principalmente,as cri-ançasencontram-se,ainda,emfasede aquisição de Língua de Sinais,também sem contato cotidiano com a mesma.Ora,parece-nos que esta solução de “mais ou menos bilinguismo”só atende“mais ou menos”os pressupostos de uma“educação”.O desenvolvimento cognitivo de um indivíduo,no entanto,precisa de suportes imediatos, principalmente,nos primeiros anos de vida.Não há “mais ou menos”para o desen-volvimento eficaz dos mecanismos cerebrais.O cérebro de uma criança entre dois e quatro anos de idade absorve o dobro de glicose que o cérebro de um adulto.Isto reflete a importância que o cérebro dá, nesta fase de maturação,a absorção de informações e criação das sinapses básicas para o desenvolvimento dos processos mentais.Não é apenas uma coincidência o fato de, justamente em torno dos dois anos de idade,o indivíduo entrar na fase de início do domínio de um sistema linguístico,que passará a ser o mais importante instrumento de seu pensamento.A falta de domínio de uma língua,nesta fase,não impedirá que esta etapa ocorra,mas não terá a mesma qualidadede desenvolvimento para o qual o cérebro está preparado para realizar.O domínio da língua atua diretamente em tipos de raciocínios específicos,comoo analógico-dedutivo,por exemplo.Estas observações,ainda que superficiais,sobre a importância do domínio de uma língua para garantia do desenvolvimento eficaz dos processos cognitivos,devem,por si só, ser suficientes para demonstrar qu eo domínio da Língua de Sinais pela criança surda vai muito além da necessidadede garantia de interlocução como meio que a cerca,em uma escola que se propõe implantar uma educação na qual a Língua de Sinais é prestigiada. Assim,ao entrar para a escola,muitas vezes sem o domínio de qualquer língua,o que pretendemos para esta criança surda,em primeira instância,é garantir um suporte linguístico para que o cérebro possa realizar uma de suas principais tarefas:desenvolver-se cognitivamente,de acordo como que já lhe foi geneticamente proposto,o que inclui um instrumento linguístico.Sob este ponto de vista,educar passa a ser,em primeiro lugar, colaborar com a natureza deste indivíduo:atendê-lo naturalmente em suas necessidades bá-sicas,psicológicas e sócio-culturais.Proporcionar-lhe o domínio de uma língua de modo eficaz,integral e no menor período de tempo possível é a prioridade do educador e para isso é necessário que este educador e a própria escola saibam“incluir-se”nas necessidades desse aluno em vez de,em princípio,tentarem“incluir”este aluno nas supostas necessidades da escola,no que se refere, para citar apenas um exemplo,ao cronograma da passagem de conteúdos,que é o que tem sido o mais frequente objeto de nossas observações.Temos observado em nosso campo de atuação que,especialmente nos casos em que a criança surda chega tardiamente à escola(em torno dos quatro anos ou mais),ao garantirmos a aquisição de uma língua,no caso a língua de sinais,estamos,em curto espaço de tempo,resgatando necessidades básicas para o desenvolvimento dessa criança em termos cognitivos e, consequentemente,favorecendo a absorção do conteúdo escolar não apenas com rapidez,mas interesse e curiosidade especiais,como se o cérebro quisesse compensar O conhecimento não adquirido em etapas anteriores.O mundo da criança transforma-se,torna-se especialmente observadora e crítica e interessa-se pela compreensão desse“mundo de várias leituras”,incluindo a aquisição da Língua Portuguesa,como segunda língua.O que importa,no entanto,é ressaltar que essas crianças,de modo geral,destacam-se das de-mais crianças surdas educadas “tradicionalmente”:mostram-se seguras, mais atentas ao mundo que as cerca e,evidentemente, mais comunicativas.Sentem-se seus cérebro sem ação,movidos por mecanismos efetivos de comunicação linguística consigo mesmas.Estas crianças não estão“mais ou menos”integradas  consigo mesmas,o que é o maior passo para que não sejam ou não se sintam apenas“mais ou menos”integradas ao meio.Assim, saber propiciara aquisição da Língua de Sinais à criança surda,antes de tudo como respaldo e principal instrumento para o desenvolvimento dos processos cognitivos é o primeiro grande e indispensável passo para a verdadeira educação deste indivíduo.Isto feito,começarão a ter sentido os discursos de “Escola Inclusiva”,entendendo-se a inclusão,antes de mais nada,porpropiciar condições para que o indivíduo sinta-se,ele mesmo,incluído no domínio do mundo que o cerca.Só depois desta premissa podem caber outras razões de cunho político e/ou sócio-cultural.Sabemos das dificuldades porque passa o ensino,no Brasil.Particularmente,a Educação enfrenta dias difíceis,principalmente,no que se refereao indivíduo surdo.As bases do pensamento da Escola Inclusiva,mal conceptualizadas,têm criado barreiras importantes para o sucesso de princípios que aparentemente possam apontar para a criação de uma comunidade excluída,já que portadora de uma lín-gua que não é do domínio de todos.Esquecem-se,com facilidade,que os profissionais que defendem a garantia desse meio linguístico,defendem,também,um bilingúismo e não um monolingúismo às avessas,ou seja,apenas aquisição de Língua de Sinais.Por esta razão e,provavelmente,por outras razões de cunho político e social que não abordamos neste artigo”pela especificidade mesma que o ca-racteriza, não se vê um efetivo empenho no uso adequado dos instrumentos que possam validar o bilingúuismo para surdos e,em especial,assegurar o prestígio da Língua Brasileira de Sinais.Parece-nos que tantos anos mal sucedidos de Educação Especial para Surdos,no Brasil,ainda não foram suficientes para provar que meias medidas apenas protelam soluções.Se,de fato,houver empenho,nos primeiros anos de escolari-dade,para a criança surda,sua inclusão,no sentido genuíno do termo e não no sentido do discurso sócio-político que domina hoje o espaço acadêmico,dar-se-á,sem dúvida,efetivamente.