Sempre utilizarei a Língua de Sinais por toda a minha vida,pois é a língua natural de uma pessoa surda. Você nasceu surda?E sua família?R: Eu nasci surda e meus pais e meu irmão também são surdos.Eu sempre fui muito esperta e por isso,até um ano e meio,meus pais nem desconfiavam que eu era surda.Nesta idade fiz audiometria onde foi constatada a surdez.Durante o exame só me interessava em brincar com jogos,ignorando o som do aparelho nos ouvidos.Pegava tudo o que via na frente.Meu pai quando soube ficou emocinado e chorou, possivelmente de emoção, pois além de meus pais e meu irmão, tenho dois tios e alguns primos surdos. Como foi para você essa experiência durante a infáncia?R: Adquiri naturalmente a Língua de Sinais desde que nasci.Sempre utilizei a Língua de Sinais na comunicação com meus pais e meu irmão.Sempre utilizarei a Língua de Sinais por toda a minha vida pois é a língua natural de uma pessoa surda.Aprendi tudo das regras da vida ao vivenciar a cultura surda da minha família em casa, antes de entrar para a escola aos seis anos. Por exemplo:luz de campanhia,bater em alguma coisa e levantar para chamar,pedir a alguém para ajudar procurando de qualquer jeito atender a nossa ne-cessidade.Tinha muita curiosidade em saber o que as pessoas falavam, principalmente quando falavam comigo. Brincava com as crianças da minha idade, mas tinha o interesse em conversar com pessoas surdas adultas. Meus avós maternos,que são ouvintes,sempre usavam a comunicação oral e a gestual comigo e com meu irmão.Como foi a comunicação da sua família em casa e na sociedade?R: Via que havia diferença entre a comunicação dos meus pais e dos meus avós,mas eu não dava importância.Me sentia mais à vontade com a comunicação dos meus pais.Desde criança convivi profundamente com meu irmão:brincava,brigava,conversava,estudava...Minha mãe me ensinava como se comportar fora da casa(vida social).Por exem-plo,sempre agradecer ao motorista ao saltar do ônibus, não dizer tolices às pessoas sobre aparência,idade,...Penso que minha mãe teria sido uma boa educadora pela maneira como ela me explicava as coisas e me fazia compreender as situações no mundo de ouvintes.Meu pai me ensinou a ter coragem ao se comunicar com qualquer pessoa,mesmo com dificuldade,desde que houvesse comunicação de qualquer jeito,mímica,gesto,escrita,...Como começou a sua vida escolar?R: Aos seis anos frequentei uma escola regular e outra escola de reforço em atendimento fonoaudiológico duas vezes por semana.Antes dis-so, O primeiro atendimento fonoaudiológico que fiz,por volta dos dois anos,foi numa clínica em Ipanema e depois passei para outro atendimento no Méier, quando iniciei a escola.Meus país se preocupavam comigo em relação à escola levando-me a duas escolas com sofrimento e paciência.Como foi na escola regular,sendo você a única surda?R: Cresci estudando nas escolas regulares e nas escolas de reforço.Quando tinha dificuldade na aprendizagem,pedia ajuda da minha mãe em casa por causa da Língua de Sinais.Eu me lembro de uma situação que passei na segunda série,na prova escrita,quando a professora me chamou para fazer a prova sozinha na sala da diretoria.Eu era boa aluna e,como tirava boas notas,ela achou que eu“colava”.Fiquei bastante sentida com a situação e contei para minha mãe.Ela,então,foi à escola conversar com a diretora e soube o porquê desta situação.Minha mãe me explicou que isto aconteceu porque eu era surda e por isso ficava difícil para alguém acreditar em notas tão boas,sendo eu uma pessoa surda.Outra situação aconteceu quando eu tinha doze anos.Uma amiga da escola me perguntou se eu era infeliz por ser surda.Eu disse que não,muito pelo contrário,eu era muito feliz pelo o que sou.Um dia, precisei fazer um trabalho da escola com minha amiga em minha casa.Ela então per-guntou como poderia me chamar em casa e falei para tocar a campanhia de“luz”.Quando ela viu comentou que parecia“boate”porque a luz acendia e apagava ao ser tocada,de noite.Você se sentia bem no atendimento fonoaudiológico?Usava aparelho de amplificação sonora individual(AASI)?Tinha uns cinco ou seis alu-nos surdos,que estudavam comigo,de série e de escolas diferentes.Me sentia incomodada na sala de fono porque a fono que tive,era muito“pegajosa”,dizendo que eu era mais inteligente e mais bonitinha entre os colegas.Dizia que eu falava bem,mas eu ti-nha consciência que algumas vezes eu falava errado.Reclamei com mamãe e ela dizia que eu precisava estudar com paciência ei gnorar o que a fono dizia.Usava a prótese de modelo antigo,só quando estava na fono.Na escola regular eu me sentia sossegada acompanhando a aula,sem ninguém por perto me incomodando.Quando você sentiu a questão da consciência sobre a surdez e as pessoas surdas?R: Comecei a sentir e saber diferenciar Língua de Sinais x LínguaPortuguesa,surdo x ouvinte,a ter consciência do mundo e questioná-lo.Comeceia ter “consciência política”,a me ver no mundo de ouvintes e a mi-nhav olta(mundo de surdos)durante a oitava série.Foi quando meu pai me pediu para interpretar um texto para Língua de Sinais e fui lendo e interpretando como português sinalizado.Ele reclamou que não en-tendeu e nós discutimos.Logo depois percebi que devia primeiro ler e depois interpretar em Língua de Sinais em momentos diferentes.Aos doze anos,em 88,fui pela primeira vez ao INES,a uma festa junina,eu me estranhei com os alunos do INES em relação à Língua de Sinais.Eu usava Língua de Sinais e“falava”também,e os alunos usavam a Língua de Sinais tão rápido e puro.Me senti rejeitada,pois eles pensavam que eu era da escola da Gávea.Mas não desisti e fui procurar um jeito de me aproximar das meninas surdas e consegui me entrosar com elas.Eu pouco conhecia as crianças surdas doI NES porque a maioria delas não frequentava às associações que eu frequentava.Você pensou em estudar no INES?R: O fato de não pensar em estudar no INES tem um bom motivo.Eu tinha um família surda comigo,se comunicando em e educando,ao contrário de muitos surdos,de fa-mília ouvinte,que consideram o INES como uma “família”.Meus pais me levavam para convivem com outros surdos nas associações,nas festas,etc.,já que eles também conviviam.E os meus avós me levavam para outro caminho,a cultura do mundo:cinema,museu,etc.,junto com meu irmão e minha mãe que se fazia de intérpre-te para nós.Hoje,os surdos poderiam ter o interesse pela cultura do mundo se tivessemos intérpretes em lugares públicos.Na minha família,eu cresci numa vida bilíngue:meu pai usava a Língua de Sinais,minha mãe a Língua de Sinais e a oral e meus avós a oral e a gestual.Você se formou no ségundo grau?Como foi essa experiência numa escola de segundo grau?R: Sim,me formei no segundo grau(FormaçãoGeral)aos 18anos.Vou contar outra situação que jamais esqueci,quando fiz inscrição para fazer prova em dois colégios:na rede estadual Visconde de Cairúenarede federal PedroII.Passei pa-ra o Viscondede Cairú.Não escrevi na inscrição que eu era surda,não havia necessidade,e duas semanas depois de começar as aulas,descobriram que eu era surda.Fui chamada pelo orientador que insinuou que eu não poderia es-tudar naquele colégio e disse:—Vou chamar sua mãe.—Ela é surda.—respondi.—E o seu pai—Ele também é surdo.—respondi.—Então os seus avós?—Eles moram no interior de Minas Gerais,vão demorar para chegar aqui.—respondi.Depois de alguns dias minha avó foi ao colégio e fui encaminhada para uma escola de surdos de Vila Isabel para receber atendimento fonoau-diológico.Na escola de VilaIsabel, fomos conversar com a diretora.Enquanto a diretora conversava com meu tio ouvinte,eu conversava com mamãe em Língua de Sinais.Quando ela nos viu,disse que lá era proibido usar este tipo de comunicação.Realmente levei um choque,mas continuei a conversar em Língua de Sinais.A diretora ficou espantada ao saber a meu respeito e informou que não havia recurso para mim no segundo grau.Em seguida,enviou para o Visconde de Cairúa resposta.Fiquei radiante!No Visconde de Cairú me disseram queiriam verificar minha primeira avaliação,se eu tirasse a média quase igual a dos ouvintes na prova, eu poderia continuar no colégio.Continuei! Nas aulas,eu perdia muitas vezes as informações pela leitura labial dos professores mesmo que falassem de frente, mas acompanhava mais pelos livros.Agora,fale-nos um pouco da sua experiência profissional.R: Quando eu terminei o segundo grau,meu pai falou para eu ir a FENEIS.Fiz curso de informática,daí fui chamada pelo Nelson Pimenta para trabalhar numa escola de surdos com crianças surdas na informática educativa,em 1994.Então comecei a me aprofundar nos conhecimentos gerais e ter a política de Língua de Sinais ao ter contato com profissionais surdos.Um anomais tarde decidi ser professora depois de assistir uma aula dada pela professora ouvinte com alunos surdos e adorei.Então fiz o magistério em um ano,pois já tinha feito o segundo grau.Trabalhei lá até 99. Em 97 vim trabalhar no INES.Foi um tempo difícil,um desafio para mim trabalhar com os alunos surdos adultos e os professores ouvintes e ainda mais num enorme colégio.Eles nunca tiveram oportunidade de trabalhar com ump rofissional surdo.Os alunos não me viam com profissional e finalmente agora eles conseguem distinguir o profissional da amizade.Nas experiências que tive até agora nas duas escolas,cresci profissionalmente,aprendi muito sobre as questões na educação de surdos.Este ano passei para faculdade de Pedagogia.Antes disso, fui pressionada pelas pessoas surdas já formadas para estudar na faculdade,já que tenho que aproveitar a inteligência que tenho.Tentei uma vez na UERJ,não passei.Passei para Universida de Estácio de Sá(UNESA).Lá farei o curso com outra pessoa surda e nós duas iremos dividir o pagamento do intérprete.Você gostaria de deixar alguma mensagem para os surdos?R: Gostaria de dizer para os surdos que nunca devem desistir da vida apesar da dificuldades.É preciso vencer as barreiras,lutar pelos nossos direitos.Profissionais ouvintes que atuam na área da surdez precisam aceitar opiniões e críticas de profissionais surdos,havendo troca de experiências.